CULPA E RESPONSABILIDADE
“O homem superior atribui a culpa a si próprio; o homem comum, aos outros.” (Confúcio)
Recentemente, assisti uma aula de Jorge Forbes em que ele explorava esse tema. Longe de mim querer ter o conhecimento e a didática dele, mas só posso concordar com seus pontos de vista. Acho que muito do que ele diz está diretamente relacionado com esse “homem atual”, que Luiz Felipe Pondé nos apresenta, ou seja, um ser mimado, egoísta e sempre insatisfeito. Existe uma predisposição para não se admitir qualquer responsabilidade e se distribuir culpas. Ninguém quer ser responsável pelo que lhe acontece (fruto de suas escolhas), preferindo culpar os outros pelos fatos derradeiros. Parece-me que o recente retrato político do país demonstra isso. Existe uma necessidade contínua de se ter um vilão (culpado) para justificar aquilo pelo qual não nos responsabilizamos como ações, omissões, insucessos, incompetência, açodamento, … A convivência nesse ambiente vai se tornando hostil. E vale a lição de Jorge Amado: “Se viver não é fácil, conviver é um desafio permanente.”. Para dizer a verdade, acabo meio chocado com esse estado de coisas, talvez pela educação que recebi, onde responsabilidade era a tônica, assim como um sistema de mérito muito claro e objetivo. Me parece estranho pessoas que, passados anos, continuam tendo suas vidas mantidas às custas de outras, mas, mesmo assim, sob um céu de reclamações e insatisfações, apesar de muitas vezes em padrões altíssimos e incompatíveis. Que tal suar um pouco? Vejo pessoas perderem tanto tempo reclamando, se lamuriando e buscando culpados; tempo que poderiam gastar em perseverar pelo que julgam ser suas metas. As vezes duvido se mesmo as professadas metas são reais; tudo talvez seja só desejos e muitos deles delirantes. “Você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências.” (Pablo Neruda) Na verdade, hoje, as pessoas fazem suas escolhas e culpam alguém quando as consequências divergem do que pretendiam. Isso é uma constante na família, no trabalho, com os amigos, … Talvez seja a grande característica da sociedade atual, mas não necessariamente só dos jovens. Esse comportamento parece bem mais arraigado e alcançando fatias em diversas faixas etárias da sociedade. Não é possível que um filho não entenda que, advinda uma determinada idade, cabe a ele arcar com sua vida, seu sustento e as consequências de suas escolhas, liberando os pais de uma eterna responsabilidade por ele – uma escravidão umbilical. Parece absurdo, que pessoas decidam ter filhos contando que membros da família e amigos têm supostas “obrigações” de ajudá-los na criação e manutenção dessa prole. É bizarro pessoas que decidem pelo ócio, na espera dos frutos se seus antecessores, tendo por profissão a condição de herdeiro. E quando faltam os pais, os meios materiais ou a herança, eis que haverá um culpado, enquanto o irresponsável posará de vítima. “É uma falta de responsabilidade esperarmos que alguém faça as coisas por nós.”(John Lennon ) Todavia, isso é mais comum do que pensamos e basta uma olhadinha para o lado. Dentro daquela ótica do mimado (todas as suas vontades precisam ser nutridas), egoísta (tudo deve vir a mim prioritariamente sem que eu me esforce) e insatisfeito (nada nunca é suficiente e satisfatório), vamos ver que responsabilidade – própria – é palavra fora do seu dicionário. A responsabilidade é do outro, que será o culpado caso o final não seja como ele deseja; e nunca o é, pois ele nunca se satisfará com coisa alguma. O mais engraçado é que, geralmente, essas são pessoas que pregam a necessidade de liberdade, esquecendo que “liberdade significa responsabilidade” (George Bernard Shaw). Mas esse comportamento parece se transmutar em um vício simbiótico onde o “culpado” se sente cada vez mais culpado e mais responsável, na medida em que o irresponsável se sente mais e mais livre para exigir, responsabilizar e culpar sem nada fazer. “Não sei qual é a minha culpa, mas peço perdão.” (Clarice Lispector) Tempos estranhos esses! Mas como diria Millôr: “Errar é humano. Botar a culpa nos outros também.” Não me furto a ajudar quem posso, mas não sou responsável por aquela vida ou se minha ajuda alcança, ou não, o desejo final daquela pessoa. Ela continua responsável por si. As pessoas têm paixões exacerbadas e impossíveis, que, por serem incontroladas e/ou incontroláveis, geram frustrações; mas as frustrações se tornam culpa alheia e não responsabilidade própria. As pessoas acreditam realmente que o mundo lhes deve algo, quando o mundo é só aquilo que construímos. O mundo é a conjugação do que todos dão, ele nada nos oferece; no máximo, ele nos devolve no limite ou proporção do que damos na sua construção. O problema é que, ainda que aparentemente, essas pessoas “vivam bem”, um dia a casa cai. E, dificilmente, se recuperam, se soerguem, … Seguem puxando grilhões e rangendo dentes, culpando alguém ou a todos. Acredito que a lógica estóica de controle e racionalidade dos desejos ainda é o caminho melhor para a vida boa. Terei aquilo que perseverar para ter (realizando total ou parcialmente meu desejo), e aquilo que der errado é culpa minha, mas um ponto de aprendizado. Eu sou responsável por mim e por meus atos. Parafraseando Nassim Nicholas Taleb, o “sábio estoico moderno é alguém que transforma medo em prudência, dor em informação, erros em começos e desejos em realizações”. Seja responsável por você e seus atos, assuma e trabalhe suas culpas; e deixe os outros em paz. Você estará trilhando o caminho de uma vida boa, com toda a certeza.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Confúcio, Jorge Forbes, Luiz Felipe Pondé, Jorge Amado, Pablo Neruda, John Lennon, George Bernard Shaw, Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Nassim Nicholas Taleb
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