“(…) tal é a melancolia, uma queda na queda.” (Claude Rabant)
Ele acordou e girou na cama em direção à janela. Lá fora, um belo sol despontava. Sabia que, se fosse até ela, poderia ver o jardim florido, em plena primavera, bem como as árvores na divisa do jardim com a calçada, de onde vinha o canto dos pássaros. Se esticasse a vista, veria até o mar. Da parte interna da casa vinham os ruídos próprios das crianças na mesa do café da manhã. Aquela felicidade quase boba; um contentamento despropositado. Já podia imaginá-las correndo porta a fora e fazendo uma algazarra. Só de pensar já se sentia cansado. Ele, apático, só queria continuar na cama, sabia que o sol não lhe agradaria, o jardim era desnecessário e o convívio social uma chatice. O mar também pouco lhe dizia. Para ele, como Dickens preconizara, nada é tão bonito como as sombras. Essa tristeza permanente combinada com a certeza indubitável de que nada seria capaz de lhe aprazer orientava seus dias. Alguém bate à porta. Poderia simplesmente fingir que ainda dormia, mas talvez tivesse já dado algum sinal de que acordara. Ok. E da porta vem o convite para juntar-se aos demais na mesa de café. O convite é uma faca amolada lhe cortando as entranhas. Não conseguem entender que ele não tem vontade de congregar, e muito menos dos convites consequentes para passeios, caminhadas, jogos, … Tudo que precisa é de sua solidão. Por que as pessoas não entendem que ele quer viver sua tristeza e perpetuá-la? No fundo, já resistira a essa viagem de lazer. Lazer é algo que não lhe pertence, como também não lhe agrada o trabalho, do qual se queixa e empurra diariamente. Não lhe restam interesses outros e não acredita que possa ser feliz. Não acredita em nada além do soturno existir apático. Também não mais suporta as sugestões de consultas médicas, novos ares, viagens renovadoras, … Sua condição de continuísmo pelo tempo necessário que a vida determinar traz apreensão. Já até pensou em como eliminar tal fardo. Afinal, não há encanto na vida. Gostaria de ficar afastado e meditando, mas, ainda assim, lhe vêm devaneios. As pessoas reclamam, alegam que está em um estado mórbido, abatido física e mentalmente. Mas o que elas têm a ver com sua vida? Ele acredita que está bem como está. Não se considera depressivo. Sua condição é normal, tanto que segue assim há anos. Não pode fazer nada se a ex-namorada, seus familiares e amigos não enxergam isso. Também não se acha incapacitado cronicamente, como dizem alguns amigos. Passada parte da manhã, melhor continuar ali deitado e quem sabe dormir um pouco, para que o tempo passe ainda mais rápido, pois tudo continuará igual mesmo.