SOBRE ANJOS E DEMÔNIOS
“Ela acreditava em anjos e, porque acreditava, eles existiam.” (Clarice Lispector)
Muitos acreditam em anjos, e neles acreditam com figurações e pretensões diferentes. Drummond fala dos anjos no Poema da Purificação, mas, certamente, fez mais conhecido o anjo torto que lhe disse para ser “gauche” na vida. Bem diferente este do anjo esbelto de Adélia Prado. Os anjos são vinculados a salmos, pedras, cores, … E dentre aqueles que creem, cada um tem seu anjo de guarda próprio. Os métodos para conhecimento do anjo individual variam. Mas deixando esse caráter um pouco esotérico, quem seriam e o que fariam os anjos? Tais figuras, sob diferentes denominações, aparecem nas crenças de muçulmanos, zoroastrianos, espíritas, hindus e budistas, com missões muitas vezes diversas. Também a Teosofia admite a existência dos seres angélicos, divididos em diversas classes. No Islamismo, há uma bela história sobre como a alma, que caracteriza a criatividade, só foi concedida à criatura humana criada por Deus, não sendo dada nem mesmo aos anjos, aos quais caberia somente louvar ao Senhor. Por isso, os anjos se dividiram em dois partidos: os bons, fiéis a Deus, e os maus, cujo chefe é Ash-Shaytan. Os maus tiveram retirada a graça divina já que se recusaram a homenagear a Adão, a maior das criações de Deus. As denominações a tais criaturas celestes variam de crença para crença, de doutrina para doutrina. Na verdade, a palavra anjo existe no latim (angelus) e no grego (ángelos), significando, em ambos os idiomas, mensageiro. E, dentro da tradição judaico-cristã, esses seres celestiais e espirituais servem como ajudantes ou mensageiros de Deus. Eles teriam a missão de atuar no processo de aproximação dos homens para com Deus; eles seriam uma conexão. Eles permitem o caminho do homem a Deus. No âmbito cristão, os anjos são concebidos em diversos sistemas de classificação. Eles estariam divididos em coros ou hierarquias angélicas. A classificação mais famosa foi feita pelo Areopagita, entre os séculos IV e V. Mas outras classificações foram oferecidas por São Clemente, Santo Ambrósio e São Jerônimo, por exemplo. Os anjos estariam em fileiras como em um exército divino, cabendo a cada grupo uma missão. Mesmo Dante Alighieri se preocupa com os anjos e respectiva classificação em “A Divina Comédia”. Aliás, com foco bem distinto, Pasolini fala de um anjo desestruturador e corruptor em “Teorema”. Mas retornando ao foco, os anjos se dividiriam em nove coros, que compõem três tríades. Na primeira tríade estão aqueles mais próximos de Deus e com funções ditadas diretamente por Ele. Na segunda tríade estariam os príncipes da corte celestial e, finalmente, na terceira, estão os encarregados dos caminhos das nações e dos homens. Assim, mais próximos de Deus, na primeira tríade, temos os Serafins, os Querubins e os Ofanins. Os Serafins protegem o amor de Deus pelos homens, ou seja, a força maior, o tesouro maior. Afinal, Deus e amor se conjugam em algo único. Os Querubins protegem a fé, afugentando tudo que tenta fragilizá-la ou afastá-la. Sobre a importância da fé, Mestre Irineu, na doutrina do Santo Daime, fala que “o amor sem firmeza é fogo sem calor”. Já os Ofanins representam e protegem a humildade. O amor e a fé de pouco valem quando falta a humildade. Já entre os príncipes da segunda tríade, encontraríamos Domínios, Potestades e Virtudes. Os Domínios cuidam da vontade que deve estar em diapasão à de Deus, sob pena ficarem prejudicados o amor, a fé e a humildade. Vemos, portanto, que os coros angelicais vão se complementando em suas funções. Presentes o amor, a fé e a humildade, em diapasão à vontade Deus, a alma estará pronta a conhecer as virtudes, mas deve ser protegida daqueles que atentam contra sua potencialidade. E aqui atuam as Potestades. As virtudes, tidas pelos gregos como uma ciência, e pelo cristianismo como um dom, trazem o autoconhecimento permitindo a conexão perfeita com Deus. Por isso Deus, designa anjos (Virtudes) para protegerem as almas que chegaram neste estágio e não podem ser ceifadas da maravilha de tal conexão. E, ao final, na terceira tríade, mais próximos do mundo material, nos deparamos com os Principados, Arcanjos e Anjos. Os Principados prezam pela obediência da alma, que virtuosa, se conecta diretamente a Deus. Mas não há obediência sem firmeza de propósitos. Essa firmeza é o foco dos Arcanjos, que muitas vezes possuem um papel heroico, como São Miguel ao enfrentar as hordas satânicas em defesa de Deus. Ele, anjo de baixa patente (arcanjo), enfrentou Lúcifer, o mais poderoso Serafin, ou seja, um anjo de maior patente que se revoltou contra Deus. Miguel é o exemplo do justo propósito. Os arcanjos também oferecem a nós os desejos manifestados por Deus, como São Gabriel o fez na anunciação à Virgem Maria. E, finalmente, os Anjos fazem a guarda e defesa dos homens. Percebe-se que os diversos anjos estão atuando de forma sequencial no processo de conectividade do homem com Deus, garantindo a manutenção de cada elo que faz a corrente necessária de união dos homens com seu Criador. Diante de tudo isso, você poderia me perguntar se creio que os anjos existem. Poderiam me perguntar se mantenho uma vela acesa para o meu anjo da guarda. Talvez! Me rendo a Lya Luft: “Um anjo vem todas as noites: senta-se ao pé de mim, e passa sobre meu coração a asa mansa, como se fosse meu melhor amigo.”
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Dante Alighieri, Pier Paolo Pasolini, Mestre Irineu, Lya Luft
Foto: Gaurav Manu (Flickr)