A morte não está mais perto do idoso do que do recém-nascido. Nem a vida. (Khalil Gibran)
Costumo ouvir, quando uma pessoa idosa morre, que ela viveu muito. Esse advérbio de intensidade estará significando o quanto ela viveu ou os anos que viveu? A pergunta decorre de uma frase de Sêneca: “Nada é menos digno de honra do que um homem idoso que não tenha outra evidência de ter vivido muito exceto a sua idade.”. Esse brilhante filósofo viveu muitos anos e muito demorou e sofreu para morrer diante de sua condenação capital. Vida e existência são coisas distintas. Se o existir envolve cronologia, certamente viver é algo muito além. Oscar Wilde dizia que “viver é a coisa mais rara do mundo”. Pois aos seus olhos “a maioria das pessoas apenas existe”. Se a vida é maravilhosa como preconizava Chaplin, isso depende muito de o quanto não temos medo ou conseguimos conviver com o advento da velhice, ou mesmo da morte. Começamos a envelhecer quando tomamos a forma de feto, e esse é um processo cujo término está vinculado à morte. “O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.” (Fernando Pessoa), Outro poeta – Mário Quintana, reconhecendo não ser tarefa fácil, nos fala que “a arte de viver é simplesmente conviver”. Verdade! Viver e conviver exigem ações e as ações trazem as lembranças, que nos dão as evidências de que vivemos. Logo, me lembro do discurso de M Luther King: “É melhor tentar e falhar que ocupar-se em ver a vida passar. É melhor tentar, ainda que em vão, que nada fazer,,. Eu prefiro caminhar na chuva a, em dias tristes, me esconder em casa. Prefiro ser feliz, embora louco, a viver em conformidade… Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira… O ódio paralisa a vida; o amor a desata.”. Conviver é sobretudo amar, pois convívio exige respeito e não há amor sem respeito. Conviver significa viver em proximidade; ter relações cordiais; dar-se bem; adaptar-se, habituar-se a condições extrínsecas. Quem convive verdadeiramente é alegre e “a alegria evita mil males e prolonga a vida” (William Shakespeare). O saudosismo que advém com a idade em muito se deve a esses momentos alegres que carregamos na lembrança. Momentos que nos vêm ao ouvirmos uma música, comermos uma comida, olharmos uma foto, lermos um livro ou, tão simplesmente, admiramos uma paisagem. E isso independe de condições materiais. Brinco sempre de que a época em que mais me diverti e aproveitei a vida foi aquela em que era mais duro. Era uma época de convivência com amigos que carrego por mais de 40 anos, onde tudo era alegria por mais simples, banal, comum ou barato que o fosse. Erámos felizes com o dinheiro contado para o cinema ou com um amanhecer na colina ouvindo música, mas em convivência fraterna. Alguns dirão que não sou idoso, mas já passei, certamente, de mais de metade da minha existência. Minha maior preocupação? Continuar vivendo, ou seja, convivendo, lendo, aprendendo, sonhando, rindo, … A busca da felicidade e de fazer sua parte para com o outro são a tônica de uma vida boa, de um envelhecimento harmonioso e de uma morte pacífica. Não há nada de novo aqui. Pois Epicteto ao falar da arte de viver demonstrava que ela envolve “a liberdade pessoal e a serenidade”, pois virtude e felicidade estão estreitamente relacionadas. E a dica deve estar certa, pois ele viveu 80 anos e, por vezes, sob as condições menos favoráveis. A escola estoica leciona um caminho muito claro pela preocupação com aquilo sobre o que se tem controle e a convivência adequada com aquilo sobre o que não se tem domínio. Envelhecer bem é uma arte que exige antes de tudo saber viver, sob pena de somente existirmos. Pode-se optar pela cronologia ou pela vida no caminho de nos tornarmos idosos. Essa escolha define muito claramente um futuro de angústias, sofrimentos e depressão, ou não. Aristóteles dizia que “a cultura é o melhor caminho para a velhice”. Só posso concordar. Sendo a cultura um complexo de atividades, instituições, padrões sociais ligados à criação e difusão das belas-artes, ciências humanas e afins, ela só se forma a partir da convivência. Ela representa acima de tudo que se aprendeu e apreendeu, que se experimentou, que se questionou, houve busca de compreensão. “O conhecimento torna a alma jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena suavidade para o amanhã.” (Leonardo da Vinci) A filosofia é um grande caminho para esse envelhecimento sábio e velhice tranquila, pois por ela se busca a compreensão e salvação da perenidade humana por si, sem a necessidade de um terceiro, seja uma divindade ou não. Longevidade pede qualidade de vida e não mera existência cronológica. “Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la.” (Sêneca)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Khalil Gibran, Sêneca, Oscar Wilde, Charles Chaplin, Fernando Pessoa, Mário Quintana, Martin Luther King, William Shakespeare, Epicteto, Aristóteles, Leonardo da Vinci
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