“A pobreza permite autonomia. A miséria priva-nos dos direitos.” (Edgard Morin)
O humanista planetário e pai do pensamento complexo Edgar Morin é preciso ao lecionar que “o pensamento político está reduzido à economia, como se tudo pudesse ser calculado”. Pragmaticamente, vemos isso claramente nas eleições em curso quando candidatos debatem as migalhas que deram ou que deixaram de dar no curso de seus governos pretéritos. Aceita-se que a substituição da miséria pela pobreza seja sinal de ganho merecido e suficiente. Em um aspecto mais técnico confunde-se sistema econômico (capitalismo e socialismo) com regimes de governo (democracia, tirania, absolutismo, …), o que importa em desprezo pela ciência política. E, nessa mixórdia, políticos de caráter de diversos matizes, se é que possuem qualquer ideologia, se aproveitam de eleitores incautos ou ignorantes, hoje manipulados, principalmente on-line, nas figuras de verdadeiras seitas religiosas. Dentro de um conceito tradicional, a democracia é o regime de governo cuja origem do poder vem do povo. Portanto, em um governo democrático, todos os cidadãos possuem o mesmo estatuto e têm garantido o direito à participação política. Todo cidadão tem voto de igual peso e deve-se respeitar a escolha da maioria dos cidadãos. Vê-se logo que há, por trás da democracia, um comportamento de respeito e convivência de diferenças, o que não é muito comum quando falamos de seitas. A democracia parte do princípio dos iguais e não da veneração de mitos, sejam eles de que suposto lado, cor ou ideologia se digam. “O meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado.” (Albert Einstein) Já começamos a entender os problemas do Brasil de hoje, na sua divisão radical de grupos fundamentalistas quase religiosos. E nesse cenário distorcido e desconstrutivo de uma sociedade, entende-se bem quando Millôr Fernandes dizia que: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim.”. Obviamente que a democracia funciona melhor quando falamos de uma sociedade onde exista uma garantia econômica, educacional e legal mínimas aos cidadãos. Mas, ainda que frágeis tais aspectos, ela ainda é o melhor regime político, pois parte do pressuposto da vontade da maioria. Sabemos das críticas de Borges, Wilde e Shaw à democracia, mas me mantenho com Platão (“A democracia é uma constituição agradável, anárquica e variada, distribuidora de igualdade indiferentemente a iguais e a desiguais.”) e Aristóteles (“A democracia surgiu quando, devido ao fato de que todos são iguais em certo sentido, acreditou-se que todos fossem absolutamente iguais entre si.”). Infelizmente, a fragilidade da situação econômica, educacional e de garantia legal dos indivíduos importa em uma visão eleitoral imediatista, quando a democracia exigiria sempre uma visão de aspiração mediata à uma sociedade mais estruturada e justa. “O amor da democracia é o da igualdade.”(Barão de Montesquieu) Aliás, há clara manutenção de tais fragilidades pelos diversos representantes eleitos no Brasil, o que demonstra uma sinalização de grupos políticos tradicionais, à direita e à esquerda, por uma condição de democracia parcial, onde se justifica a corrupção, a ineficiência, a manipulação, e práticas comuns a tais grupos. Percebemos discursos divergentes e fanáticos para governos de práticas idênticas, alguns com mais e outros com menos migalhas para a populaçao. Em certo ponto, o sectarismo hoje vivido na forma de seitas, é inclusive benéfico a tais grupos, pela falta de unificação de visão da sociedade por um resultado comum e equilibradamente bom a todos. Os interesses dos grupos se sobrepõem ao que deveria ser o interesse comum e o bem público, objetos lógicos da democracia. Nas belas palavras de Johann Goethe, explica-se que “a democracia não corre, mas chega segura ao objetivo”. Talvez, em nosso país, haja quase que uma democracia de teatro, mas, ainda assim, melhor que a tirania e a ditadura. Não importam as críticas e os críticos, a democracia é o que temos de melhor. Parafraseando Churchill: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos.”. E, acima de tudo, não podemos esquecer que, aqui, falar e agir contra a democracia é crime de caráter constitucional. Lembremos ser crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º., inciso XLII, da CF) “a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. O art. 5º. é uma cláusula pétrea, que não comporta sequer emenda constitucional. Ou seja, ele só pode ser alterado por nova Constituição, que exige, na democracia, uma eleição de Assembleia Constitucional, ou seja, poder constituinte original. Vemos hoje que a miséria de conhecimento e inteligência, mais do que a miséria econômica, tatua quem prega contra a democracia e visa nos privar de direitos.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Edgar Morin, Millôr Fernandes, Albert Einstein, Platão, Aristóteles, Barão de Montesquieu, Johann Goethe, Winston Churchill
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