“Você pode evitar descendentes. Mas não há nenhuma pílula para evitar certos antepassados.” (Millôr Fernandes)
As origens, geralmente representadas pelos antepassados, sempre foram objetos de orgulho, ou não. Às vezes, havia um certo brilho falso, que pouco se entendia, quando, por exemplo, se dava certa nobreza a ser quatrocentão no Brasil, mesmo sendo sabido que, na maioria, vieram para cá os degradados da corte portuguesa. Esse tipo de orgulho exigiria uma certa visão crítica, sob pena de cair-se no ridículo constrangedor. Talvez por isso, Rimbaud, ao lembrar de seus antepassados gauleses, comentava que deles tinha “os olhos azuis pálidos, uma firmeza limitada e a falta de habilidade na luta”. Outros entendem que na verdade tal glorificação teria um grau de compensação arrependida. “Dá-se importância aos antepassados quando já não temos nenhum.” (François Chateaubriand) Outrossim, os antepassados terão mais ou menos importância conforme o momento histórico. Ou seja, visto o período, serão tratados de forma mais honrada e meritória, entendidas as palavras Philippe Destouches: “O mérito ocupa o lugar dos mais ilustres antepassados.”. Em momentos de ruptura da estrutura vigente, os antepassados deixam de ter um certo tratamento sacro, sendo até mesmo renegados. Voltaire disse que ‘quem serve bem o seu país não precisa de antepassados”. Parece que nesse assunto nos deparamos com os extremos que comumente são utilizados pelos homens. Esses extremos muitos vezes tendem a esconder ou a alterar uma realidade conhecida ou, ainda, à necessidade ilusória de uma origem. Hoje, há uma certa decadência do conceito das famílias tradicionais, que viviam em ambientes exclusivos e devam nomes às ruas; coisas bem comuns em certas cidades. Essa condição remonta e justifica a era das colunas sociais. Todavia, sob um novo manto, parte disso se mantem, mas com um foco muito mais voltado para aparências consumistas divulgadas e estimuladas por uma nova erva daninha social denominada “digital influencers”. Mas, voltando ao tema, parece muito mais adequado que os antecipados sejam honrados a partir dos bons feitos dos seus descendentes, como ensina Guy Kawasaki (“Honre as pessoas que vieram antes de você ajudando as pessoas que vieram depois de você.”). Afinal, hoje, dificilmente você consegue esconder as suas origens em tempo de “google”. Estará sempre lá se naquela origem teve um corrupto, um assassino, um estuprador ou coisa do tipo. Outro dia, em um escândalo político, uma esposa saiu em defesa do marido publicamente exposto, e acabou por expor que era filha de um corruptor confesso e condenado. Tudo só piorou! Nesse caso a origem comprometida se estendeu à geração seguinte, para tudo estar como uma tatuagem na próxima geração. O tempo passará, mas a origem poderá ser facilmente encontrada ou pesquisada no “google”; basta o nome completo entre aspas e um click. Jonas Salk nos alerta que “nossa maior responsabilidade é a de sermos bons antepassados”. Verdade! Pois, “nós na atualidade; herdamos o mundo de nossos antepassados, nós o pegamos emprestado dos nossos filhos” (Wendell Berry). A herança que se deixa envolver não somente ativos físicos (carros, casas, iates, …) mas uma origem, que pode envolver a própria origem de tais bens. Os seus atos não tosam somente a você, ou comprometem a memória dos seus antecipados. Eles também alcançam a visão e julgamento que serão naturalmente feitos de seus descendentes. “Nenhuma herança é tão rica quanto a honestidade.” (William Shakespeare)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Millôr Fernandes, Rimbaud, François Chateaubriand, Philippe Destouches, Guy Kawasaki, Jonas Salk, Wendell, Berry, William Shakespeare