NOMES NÃO DEFINEM MOVIMENTOS
“Muitos odeiam a tirania apenas para que possam estabelecer a sua.” (Platão)
Em regra, movimentos que, pela força, trazem a assunção de novos personagens ao poder político se denominam revolução. Mas não é bem assim. O termo revolução acaba por ser um tanto poético ou romântico. Cai muito bem em substituição a outras denominações, ainda que as adequadas pelas características dos movimentos políticos analisados. Caso típico temos no Brasil. Quando, em 1964, generais tomaram o poder das mãos de um presidente eleito e a quem deviam obediência, houve motim seguido de golpe de estado. Melhor chamar de revolução, não é mesmo? A Proclamação da República já fora assim, e diferentemente não foi a Independência. Lembrem-se que motim é uma rebelião entre os militares e que se configura em crime contra a disciplina. E golpe de estado consiste no derrube ilegal, por parte de um órgão do Estado, da ordem constitucional legítima. Mas então o que é uma revolução? Revolução é um movimento legítimo de uma população contra uma ordem política opressora, onde a liderança surgirá do movimento, ou seja, não há uma liderança prévia ao movimento de forma a conduzi-lo. A revolução trará uma nova ordem política, social e econômica que se legitimarão pela participação e apoio da maioria da população. Por isso, podemos considerar a Revolução Francesa, a Revolução de 1917 e a Cubana, como exemplos revolucionários. Pelas características mencionadas, vemos, desde já, que, também em 1930, não houve uma Revolução no Brasil. Um grupo de poder econômico, representado pelos caudilhos gaúchos, tomou o poder político das mãos de um outro grupo de poder econômico (café com leite), representado por paulistas e mineiros. Mas mesmo quando há uma revolução, ela pode se perder. Hannah Arendt ensina que “o poder nunca é propriedade de um indivíduo; pertence a um grupo e existe somente enquanto o grupo se conserva unido”. Por isso, a Revolução Francesa se perdeu quando das disputas entre grupos: jacobinos, girondinos e outros. Falamos do chamado período do “Terror”. Da mesma forma, Stalin foi um sinal de contrarrevolução, caçando e perseguindo outros indívíduos ou grupos revolucionários. Mais presentemente, vê-se o fim da Revolução Cubana, que, por quais razões sejam, já não conta com o apoio e comprometimento da maioria da população. Voltando a Arendt, ela nos lembra que, “desde 1789, numerosas revoluções têm seguido o script trágico de sectarismo e autoritarismo em que um grupo de radicais políticos toma o poder violentamente em nome da libertação dos oprimidos e da promoção do bem comum, mas, uma vez no comando, eles começam a aniquilar-se e a perseguir os ditos “inimigos da revolução”. Marx dizia que a “as revoluções são a locomotiva da história”, mas há que se tomar cuidado com quem assume o posto de maquinista. Em nome do bem da maioria, pode-se fazer o mal ainda a mais pessoas. Temos visto isso no correr da história humana, a partir das consequências fáticas das revoluções. Entendo bem quando Victor Hugo lecionava que “as revoluções, como os vulcões, têm os seus dias de chamas e os seus anos de fumaça”. No fundo nos deparamos com situações, nas quais uma pessoa ou grupo, ao final, tenta impor seu pensamento, assumindo a condição de autoridade, e usando o Estado-policial, para subjugar opositores. “Todas as revoluções modernas contribuíram para o fortalecimento do Estado.” (Albert Camus) Ao final, a nova ordem se faz tão ou mais opressora que aquela que foi afastada pelo movimento revolucionário. Grande parte do problema decorre da facilidade que os homens têm de endeusar os líderes, gerando seitas, ou por vezes gerando condições que permitam, no tempo, o estabelecimento do poder tirano. Vale aqui lembrar, ainda, que existe uma diferença grave entre ditadura e tirania, pois na primeira há um projeto efetivo de governo, enquanto na tirania há um projeto de poder pessoal ou de grupo. Assim, tiranias e ditaduras podem advir de revoluções ou golpes de estado, mas também de eleições democráticas, conforme a índole dos candidatos e a polarização da população. É importante conhecer os conceitos políticos para entender do que estamos falando, o que estamos defendendo, em quem estamos votando e os riscos que podemos estar assumindo. Estamos longe da revolução preconizada por Ernest Renan (“A revolução do futuro será o triunfo da moral sobre a política.”). Afinal, ele bem entende que o homem, para a moral é um fim, mas, para a política, o homem é um meio. Churchill certa vez disse que “a política é quase tão excitante como a guerra e não menos perigosa”, mas na primeira a pessoa só poderia ser morta uma vez, ao tempo que, na política, diversas vezes. Novidade? Não! “A política tem a sua fonte na perversidade e não na grandeza do espírito humano.” (Voltaire) Portanto, sejamos sempre cautelosos, ao darmos poder a alguém ou a algum grupo. Ressoa a pergunta de Aristóteles: “Haverá flagelo mais terrível do que a injustiça de armas na mão?
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Platão, Hannah Arendt, Karl Marx, Victor Hugo, Albert Camus, Ernest Renan, Winston Churchill, Voltaire, Aristóteles
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