“O que faz andar o barco não é a vela enfunada, mas o vento que não se vê.” (Platão)
Supostamente, Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil ao comandar uma expedição de 13 caravelas a caminho das Índias. Seguiria a rota estabelecida por Vasco da Gama, rodeando o continente africano, mas, por condições climáticas, chegou ao Brasil. Mas se a história branca do Brasil se inicia com caravelas, hoje vejo o país como uma galé. Ou seja, retroagiu. Para quem desconhece, galé trata-se de uma embarcação comprida e estreita, de baixo bordo, com duas velas acessórias, mas impelida basicamente por remos, que foi usada desde a Antiguidade grega até os fins do século XVIII. Um tipo de embarcação mais velha que a caravela. E me faço entender, vivemos em um país que se mostra extremamente retrógrado, ultrapassado e pouco eficiente. Todavia, o que mais assusta é que existem grupos remando em direções contrárias o que faz a galé não sair do lugar. São coxinhas e pães com mortadela. Passados mais de 500 anos, mantemos o ranço de 1500, com graves divisões em classes a partir de precipícios econômicos, étnicos, religiosos, … O país do “sabe com quem está falando?”. A carta de Pero Vaz de Caminha ainda dá esperança de uma grandeza que nunca encontramos. O país do futuro que nunca chega. Mas seguimos. Como dizia Camões: “Minha Caravela? Ela balança, mas não para.” O país segue por um túnel cuja luz ao seu final parece ter sido definitivamente tirada. Me sinto como Clarice Lispector: “Luto contra uma maré em nau onde só cabem meus dois pés em frágil equilíbrio ameaçado.”. Chegamos ao século XXI com uma mudança de cenários e guarda roupas, mas, nem a tecnologia afastou essa visão tacanha e decadente da pobre nobreza portuguesa espelhada nas capitanias hereditárias. Hoje as capitanias hereditárias são menos geográficas e mais mentais. E mais presentemente pioramos ainda mais, pois o discurso do ódio, da segregação, do divisionismo, recrudesceu. As divisões pseudo-ideológicas e religiosas criaram uma guerra subliminar. Não sobrevivem parentesco ou amizades, pois o ódio dá o tom. As “fake news” são a sabedoria e o preconceito a cultura. Vivemos a escuridão da Idade Média. Mais retrocesso. Nossa democracia e nosso estado de direito parecem tão frágeis, que viraram palavras de uma Constituição constantemente rasgada pelas pseudo-autoridades, as quais faltam moralidade e que não dão qualquer bom exemplo. A contrário senso do hino nacional, o Brasil já não é “um sonho intenso, um raio vívido/De amor e de esperança, à terra desce”. E nessa galé, não bastassem os remos atordoados, as velas não encontram os ventos da humanidade, modernidade, solidariedade, … Permanece o intuito da exploração, do mercantilismo, bem como a visão de inferioridade do trabalho e a crença na superioridade de uns sobre os outros. É o país da desigualdade e do desrespeito. Entendo quando o poeta Renato Russo gritava “que país é este?”. E também ainda repito com Cazuza: “Transformam um país inteiro num puteiro/Pois assim se ganha mais dinheiro.” Triste sina. Mais grave que não estar bom é não ter perspectiva de melhorar. Mas o mais assustador é a sociedade brasileira que não reage. Talvez porque hoje não viva no Brasil e sim no BBB, instagram e/ou facebook. Quanto a mim? Vou vivendo as palavras de Cazuza, “cansado de correr/Na direção contrária/Sem pódio de chegada ou beijo de namorada/Eu sou mais um cara”. Só mais um cara.