CONHECER ALGUÉM
“Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma.” (Veronica Shoffstall)
Quem me conhece profissionalmente, vê um cavalo prussiano tomado pelo pragmatismo americano, mais em trote que em marcha. Mas essa é uma das minhas tantas facetas. Não que seja duas caras. No entanto, aprendi a atuar nos diversos palcos da vida, sejam eles profissionais, familiares, amorosos, … E assim, as pessoas me veem por diferentes lentes. Um colega no Conselho Deliberativo de uma organização disse, outro dia, que sou duro e firme, porém educado. Sou muito assertivo, mesmo meus amigos reconhecem ou reclamam disso. Mas, um dos meus melhores amigos diz, em profundo antagonismo àquela faceta, que sou um romântico conservador. E chegamos ao ponto. Realmente, gosto de jantares à luz de velas, namoro, intimidade compartilhada, mas isso bem longe de certos conceitos piegas, que se mantêm mesmo com os amantes modernos e liberais, onde não me enquadraria. Tenho um belo modelo de relacionamento, ainda que com seus normais altos e baixos, no que concerne aos meus pais e, certamente, isso influencia minha visão. Há algo que aprendi e vejo expresso nas palavras de Veronica Shoffstall: “E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança.”. Tenho um modo peculiar de ver as relações amorosas. A relação não pode ser de interdependência ou nulidade do outro, sob pena de já não existir o que fez um cativar-se pelo outro. A relação e seu curso são construções conjuntas, e não um carregamento. Falo por experiência própria, ainda que nossas experiências só sirvam a nós mesmos. A relação precisa de 3 sonhos: os individuais e aquele comum do casal. E casal significa um par de pessoas, animais ou coisas, que mantêm entre si algum relacionamento ou que têm semelhanças em comum. Uma vida única não é relacionamento, assim como um sonho único também não o caracteriza. Aqui está o processo de apoio (não de apoiar-se), de confiança e de estímulo, que caracterizam a construção da relação. Mary Ann Evans, usando o pseudônimo George Eliot, fala em relação de simpatia ou relação de conquista. Precisamos ter simpatia e desejo de conquista, o que move isso podem até ser aspectos físicos, mas o que mantém isso é mais, é algo que chamamos admiração. “Amar é admirar com o coração. Admirar é amar com o cérebro.” (Theophile Gautier) E chegamos, então, no ponto do conhecer e conquistar, que é o início da relação. Percebo hoje que há uma sensação de eterna insatisfação pela busca do ideal, que não existe. O poeta Cazuza cantou: “Pra quem não sabe amar/Fica esperando/Alguém que caiba no seu sonho/Como varizes que vão aumentando/Como insetos em volta da lâmpada”. Existe uma roleta russa do encontro ideal. Ninguém pára e investe. Se portam mais como um cão que corre atrás do próprio rabo. Essa insatisfação é interminável pois ela é fruto da ânsia representada pela busca frenética e contínua pelo ser ideal, que, como dito, não existe. Tenho o bom, mas será que não encontro o ótimo? Esse poderia ser o bordão de hoje. O problema é que as pessoas por vezes são, ou estão, tão carentes que não podem estar sós (ansiedade); elas buscam sem parar alguém (ansiedade), mas que seja o ser perfeito para si (inexistente). “A ansiedade e o medo envenenam o corpo e o espírito.” (George Bernard Shaw) A tal metade da laranja não existe. O relacionamento envolve duas laranjas com suas características e na tentativa de gerarem mais suco. E essa carência faz as pessoas tão “desesperadas” que, muitas vezes, chegam a confundir, por serem bem tratadas ou tratadas com carinho, amizade com pretensões amorosas, gerando, consequentemente, expectativas irreais. Já fui vítima diversas vezes, e quando alertei para o que ocorria, me transformei de ser-perfeito em vilão. Outras vezes, os carentes, apesar de todos os indícios ou provas, decidem que alguém é outra pessoa, no formato que desejam ou que a pessoa mudará para atender ao formato pretendido. As pessoas são como são e elas mudam por si e não pelos outros. Como não se conhece nunca alguém em todo seu EU, a relação envolve conhecer o outro dentro de um processo contínuo e desbravador. E quanto mais esse conhecimento se aprofunda, mais você pode solidificar o relacionamento. Outro dia um amigo teve um encontro. Tomaram um café. No dia seguinte a outra pessoa já o chamava de namorado, para três dias depois surgir a palavra casamento. Meu amigo lembrou a outra pessoa que sequer sabiam os respectivos sobrenomes. Maluquice? Não faltam doidos e doidas por aí. Encontrar pessoas não é difícil, conhecê-las e travar relação tem se tornado uma saga. Isso explica a fragilidade, rapidez e frugalidade dos relacionamentos, bem como, em parte, os relacionamentos abertos, algumas tragédias, e, o mais grave, uma crescente solidão conjunta dos casais. “A solidão é muito bela, mas quando se tem perto de si alguém a quem o dizer.” (Gustavo Bécquer) Não é bem assim? Só reparem, nos restaurantes, os casais em celulares, como se fossem estranhos a dividir a mesa. Podem até estar em um aplicativo, ainda buscando a nova pessoa ideal – o substituto ideal.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Veronica Shoffstall, George Eliot, Theophile Gautier, Cazuza, George Bernard Shaw, Gustavo Bécquer
Foto: pixabay.com
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