“O que é uma família senão o mais admirável dos governos?” (Henri Lacordaire)
Enquanto célula primária de convívio da sociedade, a família possui toda uma governança que tende a ser mais complexa pela proximidade dos indivíduos que a compõem do que a do próprio Estado. Não por outra razão, Michel de Montaigne diz que “não há menos tormento no governo de uma família do que no de um Estado inteiro”. Para a definição de família gosto da visão de que são pessoas ligadas por casamento, filiação ou adoção. Essa definição afasta os questionamentos já vencidos – e próprios dos seres de estreita visão – sobre ancestralidade, gêneros, … A família moderna pode ter bases hetero ou homo, dual ou múltipla, com ancestralidade comum ou não, … O que importa é o ânimo de fazer existir um núcleo familiar. “A verdadeira família é aquela unida pelo espírito e não pelo sangue.” (Luiz Gasparetto) E isso não é um sinal de falta de moralidade, de ruptura de valores ou declínio social. Lembremos que a família sob a lógica tradicional (pai, mãe e filhos concebidos) se mostrou uma instituição de duvidoso sucesso tal qual os modelos de Estado. Oscar Wilde lembrava que “no início, os filhos amam os pais. Depois de um certo tempo, passam a julgá-los. Raramente ou quase nunca os perdoam.” Essa instabilidade relacional seja pela forma de governança, seja pela individualidade de cada membro, fez da família, mais das vezes, um lugar de privilégios, aproveitamento, inimizades, falsidade, indelicadezas, inveja, …, que, se mais das vezes, escondidas sob o manto da hipocrisia, se desnudavam nos enterros, inventários e testamentos. E talvez esteja aí a preocupação de Benjamin Franklin ao entender que “paz e harmonia: eis a verdadeira riqueza de uma família”. Essa família tradicional se fez uma cela para almas cada vez mais educadas ou ansiosas por liberdade. “Do modo como a concebemos, a vida em família não é mais natural para nós do que uma gaiola é para um papagaio.” (George Bernard Shaw) Existe uma clara dissonância no discurso conservador que busca um extremismo da liberdade individual sob o manto do controle familiar. Essa família tradicional e desalinhada de um caráter espiritual, e mais voltada para o mundo material, acabou dando vetor à sociedade, o que explica parte da confusão que vemos e vivemos. Lutero já expressava que “a família é a fonte da prosperidade e da desgraça dos povos”. Nada mais expressivo disso que a chamada família margarina, ou seja, aquela apresentada em uma linda casa, com uma mesma etnia, sorridente, em um café da manhã. Aliás, margarina é um produto tão duvidoso, pelos seus ingredientes, quanto o é a família constituída sob a visão conservadora e materialista. Apesar da falta de propaganda de margarina, à época, Tolstói era assertivo no sentido de que “todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. Hoje grande parte das famílias têm por líderes mantenedoras as mães “solteiras”; da mesma forma são mais comuns e abertamente mencionadas as famílias de formação LGBT; existem famílias formadas somente por irmãos; e ainda são famílias os grupos formados por amigos que se adotam como irmãos. Ademais, lembremos que, em tempos medievos, casamentos eram uma realidade dos nobres, preocupados com aspectos de manutenção, transferência e junção de riquezas, enquanto os pobres se juntavam e formavam suas famílias. Então, achar que casamento é base de formação familiar é de profundo desconhecimento da história humana. Esses novos modelos familiares serão melhores ou piores que a família tradicional? Não é tão simples assim. Encontrarão os mesmos desafios, viverão os mesmos problemas, buscarão soluções análogas, … “Família, tu és a morada de todos os vícios da sociedade; tu és a casa de repouso das mulheres que amam as suas asas, a prisão do pai de família e o inferno das crianças.” (August Strindberg) O importante é que não haja preconceito, que se entenda que em qualquer caso, com qualquer formação, a família deve ser uma sensação de convívio comum e satisfatória baseada no respeito, na lealdade, no amor, na empatia, e, sobretudo, na ética/moral.