Vamos lá e falar da bela “Dona Morte”? Ou você acha que ela nunca é bela? Mas é sedutora e move tudo ontem, hoje e sempre! Ela trouxe os grandes rituais, propiciou grandes festas e procissões, a construção de templos e edificações pomposas. Ateus rogam a Deus e religiosos maldizem Deus, quando Dona Morte mostra seu sorriso e estende sua mão. No Egito, os esquifes iniciais continham os olhos de Hórus, pois, eles permitiriam ao morto ver o avanço do mundo e estar atualizado quando de sua ressurreição. E tudo segue, independente do velório e sepultamento, com “brunches” (na Alemanha e Inglaterra, se fazem fotos para registro) e epitáfios. Axel Oxenstiern diz que o “epitáfio é a última vaidade do homem”, meio que em diapasão com nosso velho Machado: “Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou.” Na verdade, toda essa preocupação e medo, e consequentes reflexos, com a morte, envolvem a preocupação do homem em deixar de existir (ele ou os que ele ama). Se assim o for, a física há muito tem encarado a questão, pois bem disse Lavoisier: “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” Aquilo que existiu e existe não deixará de existir, sua existência se dará sob outra forma. Por isso, Buda fala que não devemos nos apegar nem mesmo aos pés daquela árvore onde gostamos de sentar e dormir. Para ele, não existe nascimento e não existe morte. Thich Nhat Hahn conta do seu sofrimento quando da morte da mãe, para, após mais de ano, ter um lindo sonho com ela. Ao acordar, sentir como se ela estivesse viva. E, aí, ele diz que “ficou óbvio naquele momento que minha mãe ainda estava viva dentro de mim e estaria para sempre”. Precisamos parar e olhar profundamente as coisas: nelas reconheceremos os sinais de existência ou manifestação, de várias formas e vezes, daqueles que já não possuem a mesma estrutura e nos foram tão importantes. Você existia antes de nascer e existirá após morrer, somente sob outro arquétipo. Quantas vezes chegamos a determinado lugar e dizemos que fulano (falecido) gostaria dalí? Será que ele já não é parte daquilo sob outra forma? Voltando ao monge Hahn, “não há nascimento, só existe continuidade”. Da mesma forma não há morte, mas continuidade. Essa é a natureza de tudo, sem que haja mais importância na existência sob uma forma ou outra, pois cada um cumpre seu papel no girar do Universo. Portanto, a verdade de Buda é a mesma verdade de Lavoisier. O medo de inexistir é inconsistente, pois sempre existiremos. Uma determinada condição faz com que nossa existência tome uma estrutura (chamamos isso de nascimento) e quando ela já não atende à condição anterior e outra se impõe, mudamos na forma de existir, e a isso chamamos morte. Continuamos com outro objetivo e fim. E isso me faz entender melhor ainda as palavras de Jesus sobre o amor ao próximo, como descreve o evangelista Lucas (Lu 10:30), que era grego e profundamente tocado pela escola filosófica estóica. Sêneca vai dizer que “o importante é viver bem, não viver por muito tempo; e muitas vezes vive bem quem não vive muito”. Grande parte de todo esse entendimento, hoje, já é provado pela física quântica, para quem tudo é energia (partículas e ondas) que, sempre em movimento, por vezes, garante uma materialidade que uma determinada condição de momento exige. O emaranhado quântico permitirá ou indicará essa condição necessária. Aliás, a física-quântica tem sido a confirmação científica de tantas práticas e conhecimentos milenares orientais. “Aprende a viver bem, e bem saberás morrer.” (Confúcio)
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Djavan, Axel Oxestiern, Machado de Assis, Antoine Lavoisier, Buda, Tich Nhat Hahn, Jesus, São Lucas, Sêneca, Confúcio