“Turistas querem conhecer pontos constantes de … cartões postais, viajantes querem viver o lugar.” (Fernando Sá)
Era uma manhã cinzenta e chuvosa, como aquelas manhãs de garoa em São Paulo. Tudo que você menos quer em um dia de férias! Um amigo me deixara, na tarde anterior, na estação de trem, e eu cortei a noite com a via férrea até chegar nesse novo destino. Eram férias sem programação. Apenas um mochilão e um ticket de trem para 30 dias. Durante a noite, fora acordado abruptamente com o abrir ruidoso de minha cabine por policiais que buscavam alguém que não era eu. Dormi mal! Mas, voltando ao meu destino, comecei a caminhar e mal dizer o clima. Quando se é jovem e ansioso, acreditamos que o mundo deva estar moldado a nossos sonhos e pretensões. Chegando à praça principal, a chuva espantara os pombos. Ali estava eu, cruzando uma Veneza chuvosa e de céu cinzento, que fazia os canais parecerem ainda mais turvos. Efetivamente, aquele não era o cartão postal típico da Praça de São Marcos. Dei meia volta, uma vontade de pegar o próximo trem e seguir viagem, quando me deparei com a Torre do Relógio, que cruzara para alcançar a praça. A imponência do campanário da Basílica de São Marcos se perdia, talvez pela torre tocar um céu inapropriado aos olhos de um viajante. Aliás, nunca fui um turista, mas sempre um viajante. A diferença? Turistas querem conhecer pontos constantes de guias, filmes ou indicados por terceiros, repetecos de cartões postais. Viajantes querem viver o lugar, entender o movimento das pessoas, os hábitos locais, ir onde vão os “bichos da terra”, ouvir as melodias e sons, … E, exatamente por ser um viajante, entendi que não deveria partir. Seria a chance de ver o lugar sob o prisma de quem lá vive num dia sem sol. Mas precisava do café da manhã. Havia uma nova perspectiva, pois trocava as guloseimas como Sachertorte, da Demel, e o Apfelstrudrel, devorado no Gloriette, pela culinária italiana. Viena ficara para trás, mas não sem um tom já saudoso. Em Viena, ouvia Mozart pelas ruas, enquanto, na casa de meu amigo, tocava Leila Pinheiro sem parar. Eu acertara no presente para ele, que ama Bossa Nova. Caminhando pela galeria da Piazzetta, em frente ao Palácio dos Doges, encontro um Café onde peço um chocolate quente e um croissant. Repentinamente, alguém senta-se ao piano, à frente do café, e começa a tocar. Meus lábios se moveram, pois o espaço fora tomado pelas notas musicais de Tom Jobim. Acreditem se quiser, mas após esse momento, o céu começou a limpar e tive um dia ensolarado e quente em Veneza. Tudo ficou diferente, inclusive a sensação do local. Minhas viagens sempre cruzaram a boa música brasileira. Um ano depois, em nova viagem, numa noite na Place de Tertre, em Paris, tive igual experiência. Mas desta vez, os músicos, ao me perceberem brasileiro, entoaram um pot-pourri da obra de Tom Jobim, que era entusiasticamente aplaudido pelos demais clientes do restaurante. Lembro de uma outra experiência, onde Bebel Gilberto embalava as pessoas, em uma loja de roupas em Amsterdam. Talvez o maior elemento de representação do Brasil, no mundo, sempre tenha sido a música. De Carmem Miranda ao Kaoma. Descobri um festival de música brasileira na pequena cidade de Hildesheim, na Alemanha, onde os jovens alemães faziam um verdadeiro Carnaval. Essa nossa sonoridade foge das fronteiras, dos estilos, dos grupos e permite um gostar coletivo que deveria permear a sociedade em tudo mais. Recriando a frase de Dorival Caymmi: “Quem não gosta de música, bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.”