“Cada um é senhor de si mesmo, deve depender de si próprio; deve, portanto, controlar-se a si próprio.” (Buda)
Passei a vida, obcecadamente, buscando não depender de ninguém, e querendo ter controle sobre tudo. No que diz respeito à dependência, isso tem seu lado positivo, mas também um lado negativo. Meus amigos reclamam da minha dificuldade em pedir ajuda, mesmo em situações mais tensas. Em regra, ouvimos falar da dependência “psicológica”, comum em diversas pessoas. Algumas pessoas têm uma necessidade premente de serem felizes dependendo de outras, ainda que não faltem lições contrárias, como as de Augusto Branco (“Tua felicidade não deve depender dos outros, mas apenas de você mesmo.”), Richard Bach (“Se você depender das pessoas se importarem com o que diz, estará dependendo dos outros para a sua felicidade”) e Huberto Rohden (“Não faças nunca depender a tua felicidade de algo que não dependa de ti.”). Têm aqueles que dependem no amor, e também, aqui, lembro de boa lição: “Os prazeres de se depender de alguém empalidecem perto dos medos paralisantes que essa dependência envolve.” (Alain de Botton). Tenho conseguido fugir disso, ainda que, algumas vezes, seja acusado por minha falta de ciúmes em relacionamentos amorosos. A dependência parece-me, por vezes, uma fuga. Há aqueles que dependem da sorte, e creditam a ela seus sucessos e reveses. “O plano mais seguro é não depender da sorte.” (Napoleon Hill) Mas, hoje, me assusta algo ainda mais comum: uma certa dependência econômica injustificável. Certamente, existem momentos difíceis e a ajuda econômica é mais que bem-vinda. Mas, nestes momentos, prossegue-se na busca de solução do problema, realizam-se adaptações nos gastos e aceita-se a modicidade. Mas, aqui, não falo disso. Falo de pessoas que entendem que devem ser supridas cotidianamente em seus desejos, dos mais variados, e sem parcimônia, como se fossem crianças. O mais incrível é que algumas dessas pessoas, não bastando ver normalidade nisso (deve ser normose), ainda reclamam do que falta ou de quem os supre. Existe dependência, desconsideração e descarado aproveitamento. “Você nunca irá conseguir encarar a vida se você estiver sempre dependendo de alguém.” (Demi Lovato) Aos 14 anos eu dava aulas, para não depender de mesada do meu pai. Já fui ajudado economicamente em momentos difíceis, nos quais soube me adequar à situação delicada, quando não fugi aos trabalhos que me surgiam. Reconheço quem me ajudou, mas não nego que tenho pavor de situações assim de dependência. Estou em diapasão com Mencken, para quem “é melhor dizer a verdade do que mentir, saber do que ignorar, ser livre do que depender”. Nenhum trabalho é vergonhoso e indigno, mas não digo o mesmo quando se trata dessa dependência aproveitadora. Tenho noção que isso deve ser coisa antiga, pois Cícero já dizia que “qualquer um pode ser completamente feliz, se depender apenas de si e tiver em si mesmo tudo o que chamar de seu”. Ele deve ter visto coisas assim já na Roma Antiga. Com o advento da idade, me deparo com amigos na situação de pais que não podem parar de trabalhar ou gozar efetivamente suas aposentadorias, pois têm de arcar com os custos de filhos adultos, às vezes com famílias próprias. Surreal! Pessoalmente, teria muito constrangimento nessa dependência cotidiana e não excepcional. Gosto daquele manifesto de Madame Lispector: “Melhor assim. Não quero mais depender de ninguém. Quero é o “Danúbio Azul”. E não “Valsa Triste” de Sibellius, se é que é assim que se escreve o seu nome.”. Não só me incomoda depender dos outros, mas também que dependam de mim. Essa é uma das razões pelas quais nunca desejei filhos. A terapia me ajudou com o problema da tentativa de controle, mas não mudou muito da minha aversão à dependência. Mas, como regra exige exceção, vou com Carpinejar: “Na vida, a gente somente depende de alguém que confie na gente, que não desista da gente. Uma âncora, um apoio, um ferrolho, um colo.”.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Buda, Augusto Branco, Richard Bach, Huberto Rohden, Alain de Botton, Napoleon Hill, Demi Lovato, H L Mencken, Cícero, Clarice Lispector, Fabricio Carpinejar