“O rosto enganador deve ocultar o que o falso coração sabe.” (Shakespeare)
Existem algumas expressões na língua portuguesa que repetimos com entendimento de sentido, mas cuja razão de surgimento nos foge. Assim o é quando falamos “para inglês ver”. Todos sabemos que essa expressão está ligada ao conceito de mentira, demagogia, … um ardil para fingir ou aparentar uma situação ou fato inverídico, irreal ou inválido. Tal expressão teria surgido quando o Reino Português, e depois o Império Brasileiro, fingiam criar leis contra a escravidão diante da pressão da Inglaterra. Eram falsas leis para os ingleses verem e suspenderem a pressão exercida contra o Brasil escravocrata. Parece que nossa origem (Portugal) e país (Brasil) sempre foram assim – terras de espertinhos, malandros, … Não por outra razão, durante muito tempo Portugal era vista com certo desdém pelos Europeus, tal qual o Brasil pelo mundo em geral. E a coisa só tem piorado, seja pela corrupção ou pelo descaso com a sustentabilidade, com a pandemia, com os direitos humanos, … E aí dá para entender a existência de torcidas organizadas por diversos “líderes” políticos condenados ou condenáveis. O Brasil criou o bandido de estimação. Constrangedor!!!! E me reportando aos ingleses, a quem não faltaram líderes políticos de primeiro escalão, lembro as palavras de Disraeli: “O homem não é a criatura das circunstâncias. As circunstâncias é que são criaturas do homem.”. Verdade, o país não fez os brasileiros, foram os brasileiros que fizeram o Brasil. Algumas das mazelas das quais reclamamos normalmente são, na verdade, desejos inescrupulosos alimentados no seio de nossa sociedade. O jugo, o privilégio, a esperteza, a malícia e o descaso com o outro são tão comuns no comportamento dos brasileiros, que nem nos chocamos mais. E, mais recentemente, um completo despudor no agir e no falar imoralidades e amoralidades virou algo normal. Então, volto aos ingleses, pois “todas as grandes coisas são simples. E muitas podem ser expressas numa só palavra: liberdade; justiça; honra; dever; piedade; esperança”, segundo Churchill. Vivemos em uma República onde os presidentes sonham em ser Imperadores ou Reis, não pelos papéis exercidos por esses chefes de Estado, mas na crença de que estariam acima da lei, na plena liberdade de suas vontades mais sórdidas. Ou seja, sequer conseguem entender a importância da figura de Chefe de Estado e deste garante algo maior – o próprio Estado. “Existe algo por trás do trono maior que o próprio Rei ” (Sir Willian Pitt) O mais grave é que, aqui, tudo se tolera – da imoralidade ao crime. Talvez o que mais aborreça é esse ar de indignação fingido das pessoas, que, na comodidade, nada fazem e tudo aceitam; uma indignação ”para inglês ver”. Parece que o tempo correu, a tecnologia evoluiu, os hábitos se alteraram, …, mas a essência continua a mesma. Pois é, aquilo que poderia fazer a diferença – a evolução da sociedade – ficou na mesma. Acredito que as pessoas só mudam as circunstâncias quando elas efetivamente lhe são desconfortáveis. Se houver um mínimo de conforto, as pessoas tendem a se acomodar. Aliás, Oscar Wilde já disse que “o descontentamento é o primeiro passo na evolução de um homem ou de uma nação”. As pessoas se regozijam, aqui, com o inapropriado e desprezam os princípios e valores que são a essência. Aqui, talvez mais que em qualquer outro lugar, vale a lição profética de Karl Kraus: “O progresso técnico deixará apenas um problema: a fragilidade da natureza humana.”.
Autor: Fernando Sá
Autores citados: Shakespeare, Disraeli, Churchill, Willian Pitt, Oscar Wilde, Karl Kraus