“Coloque a lealdade e a confiança acima de qualquer coisa; não te alies aos moralmente inferiores; …” (Confúcio)
A tal confiança tem duplo sentido, pois há a confiança que você deposita em algo ou alguém e que é depositada em você, e há a chamada autoconfiança. Ser confiável ou confiar é dar crédito a algo ou a alguém por ter tido segurança despertada. Apesar de Carlos Drummond de Andrade falar que “a confiança é ato de fé, e esta dispensa raciocínio”, eu vejo a questão de forma mais complexa, pois a confiança, aos meus olhos, envolve um processo com uma fase prévia (avaliação para despertar segurança), outra própria (se estabelece a confiança) e uma fase posterior (manutenção da confiança). Desde o início podemos lembrar de Lao-Tsé, segundo quem “aquele que não tem confiança nos outros, não lhes pode ganhar a confiança”. Portanto, quem parte do pressuposto de não confiar, não estabelecerá confiança, mas também não será considerado confiável, pois a confiança traz uma reciprocidade, que justifica meu entendimento sobre aquela fase de manutenção. Consequentemente, se você está aberto a criar confiança, você fará as avaliações do outro para lhe dar crédito ou lhe reconhecer segurança. Quais os critérios de avaliação? São todos subjetivos, pois estarão diretamente vinculados aos seus próprios valores e princípios. Comigo, confiança exige coerência, fraternidade, empatia, discrição, comportamento, … Mas mesmo nessa rota, outra pessoa terá visões diferentes da minha sobre alguns destes aspectos (por exemplo: comportamento e coerência). Estabelecida a confiança, não há propriamente um cheque em branco, você pode confiar em alguém, mas não significa que você tem ou vai fazer dessa pessoa seu confessor. A confiança não deve extirpar os limites pessoais de discrição, intimidade e constrangimento. Ademais, a confiança, com o respeito, se faz primordial em algumas relações como a amizade e o amor. Não custa lembrar Laure Conan, para quem “a amizade sem confiança é uma flor sem perfume”, ou Francesco Alberoni, para quem “o amor, para durar, tem de ser também confiança, também estima. Isto é, deve adquirir algumas das propriedades da amizade”. E chegamos à questão da manutenção da confiança. Ela contém em si uma expectativa e qualquer expectativa perdida significa frustração. “A confiança perdida é difícil de recuperar. Ela não cresce como as unhas.” (Johannes Brahms) Isso justificaria uma ideia de confiança limitada, pois, como diz Mencken, “nenhum homem merece uma confiança ilimitada – na melhor das hipóteses, a sua traição espera uma tentação suficiente”. Mas volto a discordar, pois pareceria faltar aquele corolário da predisposição a confiar. Todavia, não nego que confiança perdida não se reconstrói. Como um pano esgarçado, as tramas não mais retornam ao padrão original. E lembro de Nietzsche (“Fiquei magoado, não por me teres mentido, mas por não poder voltar a acreditar-te.”), sabendo que há uma perda para confiante e confiado (“Quem perdeu a confiança não tem mais o que perder.” – Públio Siro). No que diz respeito à autoconfiança, esse é um campo obscuro. Sem dúvidas, ela é uma característica necessária. Os judeus dizem que o homem que tem confiança em si ganha a confiança dos outros. Mas, essa autoconfiança não pode se tornar arrogância, vaidade e autoritarismo. Ela não pode negar a necessidade da dúvida, pois como bem dito por Orson Welles, “é preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si mesmos”. Assim, a autoconfiança ajuda e isso é reconhecido por diferentes pensadores (“A confiança em si mesmo é o primeiro segredo do sucesso.”- Ralph Waldo Emerson, e “Um ato de confiança dá paz e serenidade.” – Fiódor Dostoiévski), sendo uma ferramenta e não um fim em si mesmo. Mas, cuidado, pois esta autoconfiança não dispensa o conhecimento, a experiência e a virtude. “Você ganha força, coragem e confiança através de cada experiência em que você realmente para e encara o medo de frente.” (Eleanor Roosevelt). E outra coisa, não existe homem autoconfiante se ele não é capaz de confiar em outrem, pois “a confiança que temos em nós mesmos reflete-se, em grande parte, na confiança que temos nos outros” (François La Rochefoucauld). Confie para ser digno de confiança, gere autoconfiança, mas não perca a essência do humano e da humildade! Lidar com a confiança é um processo essencial ao alcance da vida boa.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Confúcio, Carlos Drummond de Andrade, Lao-Tsé, Laure Conan, Francesco Alberoni, Johannes Brahms, H L Mencken, Nietzsche, Públio Siro, Orson Welles, Ralph Waldo Emerson, Fiódor Dostoiévski, Eleanor Roosevelt, François La Rochefoucauld
Foto: pixabay.com