“Indiferença: não merecer uma resposta. Desprezo: não merecer nem a pergunta.” (Fabrício Carpinejar)
Na verdade, quando falamos de indiferença, estamos falando de uma total falta de consideração; não se considera a existência do outro; o outro inexiste. Diferentemente ocorre no desprezo, quando se considera o outro, sem dar-lhe qualquer apreço e estima. No desprezo, se considera o outro para avaliá-lo como inferior e ensejador de certo nojo ou ira por isso. Há uma profunda e persistente desvalorização do outro, no desprezo. O que é pior? Indiferença ou desprezo? Restam dúvidas! Tendo a crer que o desprezo é pior, pois ele traz o desdém, por vezes o deboche e a perseguição. Jules Renard lecionava que “um pouco de desprezo economiza bastante ódio”, o que parece ser também a visão de Anatole France (“Não tenho ilusões sobre os homens, e, para não os odiar, desprezo-os.”), mas discordo. O desprezo traz ira e ódio. O discurso de ódio que hoje assistimos, no nosso país, está estritamente ligado ao desprezo pela vida humana, pela democracia, pela diversidade, pela sustentabilidade, … Não advém de indiferença, mas de desprezo por tais aspectos da sociedade. Aliás, um guru – cujo nome prefiro sequer mencionar – desse discurso atual, fala em desprezo sarcástico para completo desrespeito ao inimigo. Agi com desprezo agora? Enfim, como só vejo inteligência naquilo que é construtivo, me filio ao entendimento de que “o desprezo é a forma mais sutil de vingança” (Baltasar Gracián y Morales). O mais estranho é que, por diversas vezes, nos deparamos com autores diversos que fazem uma defesa do desprezo como uma medida de embate a males, altivez, orgulho, … Mesmo meu amado Fernando Pessoa, sob o pseudônimo de Bernardo Soares, fala numa certa “arte do desprezo nobre”. Me vem uma mescla de estupefação com decepção. “A ninguém te mostres muito íntimo, pois familiaridade excessiva gera desprezo.” (São Tomás de Aquino). Ou seja, o desprezo poderia ser gerado pelo desprezado e não tão somente surgir por um comportamento independente de quem despreza. Será? Afinal, há quem sustente que o desprezo é arma de sedução. Estranho, não? A pessoa tem de ser muito submissa, insegura e contar com muito pouco amor-próprio para se deixar seduzir pelo desprezo. E desde já imagino as péssimas intenções do sedutor. Mas, certamente, ocorre também do desprezo servir como cortina à inveja, por exemplo, ao ouvirmos Fedro: “Muitas vezes descobre-se que aquilo que se despreza vale mais do que aquilo que se exalta.”. O desprezo deixa sua essencialidade para ser uma forma de ocultar a inveja. Uma máscara para ocultar o desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia, ou encobrir um desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem. Esse é realmente um aspecto que normalmente vejo em alguns comportamentos que se intitulam como de desprezo. Há inclusive aquele dito popular: quem desdenha quer comprar. O desprezo em qualquer hipótese é um desses ambientes obscuros e perigosos, que podem tragar quem dele se vale e trazer os efeitos que não se desejavam ou não eram previstos. Por isso o visionário Molière dizia que: “O desprezo é uma pílula amarga, que se pode engolir, mas que se não pode mastigar sem fazer caretas.” Então, melhor manter distância desse tipo de comportamento. Respeito, mesmo no descontentamento, é a melhor solução.