“O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não.” (Mahatma Gandhi)
Não existe maniqueísmo. Tudo tem mais de um fim, dependendo do que se faça com o objeto, sentimento ou comportamento em questão. Se uma faca bem serve como utensílio à refeição, pode ser ela o instrumento de brutal massacre, também. Dentro da utilidade e inutilidade das coisas, ou do bom ou mau uso delas, também encontramos o sentimento do medo. Alguns tratam o medo como uma paixão, lembrando que paixão (“patos”) para os gregos era uma doença, uma patologia. Por muito tempo o medo foi visto como uma característica que depunha contra quem o vivenciava; basta lembrarmos a famosa frase de Shakespeare: “De todas as paixões baixas, o medo é a mais amaldiçoada.”. Poderíamos dizer que tal visão era condicionada a uma época ainda influenciada pelo heroísmo próprio da Antiguidade e flertado pelo Renascimento. Mas, tal entendimento perdurou mais modernamente, como vemos nas palavras de Stendhal (“O medo nunca está no perigo, mas em nós.”), Tolstói (“E quem não tem medo da morte possui tudo.”) e Franklin Roosevelt (“A única coisa que devemos temer é o próprio medo.”). Há os que creem que o medo pode ser extinto pela oposição determinista a ele mesmo. Nesse sentido se pronuncia Ralph Waldo Emerson ao sugerir que se “faça aquilo que você tem medo de fazer e a morte do medo é certa”. Será assim, simples? Parece que Sartre desmistificou a questão ao dizer, sem rodeios, que “todos os homens têm medo e que quem não tem medo não é normal.” Ao lermos “O mal-estar da Civilização” de Freud, entendemos como o medo da rejeição ou da reprovação gera a preocupação com a culpa e faz com que o homem se contenha na sua inclinação agressiva de ser. Essa utilidade do medo parece explicar quando Nietzsche diz que “o medo é o pai da moralidade”. Ou seja, o medo não importa em inferioridade, mas tem, ainda, a utilidade de refrear o homem, permitindo a civilidade. O medo na maioria das vezes está ligado ao indeterminado ou indeterminável, ou seja, aquilo que nos é incerto ou cuja razão ou conceituação é dúbia. Vejamos a principal causa de medo dos homens: a morte. Aprendemos com Schopenhauer que “quem não tem medo da vida também não tem medo da morte”. Mas há quem dirá que o excesso de amor à vida gera o medo da morte, que também pode ter por razão a incerteza do pós-morte. Esse medo é tamanho na sociedade que ele permitiu e permite o surgimento de diversas religiões, seitas,… Se o medo soa, a princípio, como inútil diante da morte, podemos, aqui, fazer o contraponto e dizer que o medo pode ter a utilidade de fazer o homem agir com prudência, que é uma virtude. Por vezes, o medo se vincula também à quebra da rotina e da chamada zona de conforto, servindo à acomodação, à paralisia e ao negacionismo. Há uma bela lição nas palavras de Edmund Burke no sentido de que “nenhuma paixão pode, como o medo, tão efetivamente roubar o espírito da capacidade de agir e pensar”. Essa pode ser a grande inutilidade do medo, pois nega a evolução, o crescimento, o desenvolvimento,…, o novo. “Não devemos ter medo das novas ideias! Elas podem significar a diferença entre o triunfo e o fracasso.” (Napoleon Hill). Na verdade, cada um de nós tem seus medos, e isso não nos faz maiores ou menores em relação comparativa entre uns e outros. Outrossim, o medo não significa covardia, como alguns querem fazer crer. “O medo depende da imaginação; a covardia, do caráter.” (Joseph Joubert) Precisamos conhecer nossos medos e utilizá-los em nosso favor para adoção das condutas adequadas à luz da ética e do bom senso. O que nunca podemos fazer é, por medo, fugirmos das nossas responsabilidades, pois, se assim agirmos, comprometeremos nosso caráter, nossa liberdade e nossos valores e princípios morais. Ao agir podemos acertar ou errar; faz parte do jogo da vida. “O maior erro na vida é o de ter sempre medo de errar.” (Elbert Hubbard).