“FAKE NEWS” – A VERDADE MENTIROSA
“O fato de continuarmos a pensar que uma determinada coisa não é errada dá-nos uma aparência superficial de estarmos certos.” (Thomas Paine)
Dia desses, recebi em compartilhamento uma postagem, feita por uma deputada federal, cujo conteúdo seria comprovado por um artigo do “The New York Times”, com link acompanhando a postagem. Ao tentar acessar o link, não consegui fazê-lo e questionei o fato a quem me encaminhou a postagem. A pessoa disse que acessava o link e que estaria me reencaminhando. Qual não foi minha surpresa ao receber um link que envolvia uma matéria de outro periódico americano – Financial Times. Ao ler o artigo, verifiquei que a matéria não dava embasamento ao teor da postagem. Ressalte-se aqui que sei bem a falta de intimidade de quem me encaminhou postagem e link com a língua inglesa. Trata-se de típico caso de “fake news” (notícia falsa). Estranho a pessoa, me conhecendo, achar que eu não leria a matéria citada e não faria questionamento, se inverídico o teor da postagem. No mínimo faltou com respeito à minha inteligência. Lembrei logo da lição de Bertrand Russel: “O fato de uma opinião ser amplamente compartilhada não é nenhuma evidência de que não seja completamente absurda; de fato, tendo-se em vista a maioria da humanidade, é mais provável que uma opinião difundida seja tola do que sensata.” Mas, o ocorrido, me levou a pensar sobre o assunto e, imediatamente, me conduziu aos bancos de graduação em Direito. Desde logo aprendemos que o mundo é feito de fatos e atos (comissivos ou omissivos). Se você chega no quintal e vê o chão molhado, este é um fato. Você pode tocar e perceber a umidade ou mesmo encharcar seus dedos no líquido, se ainda estiver empossado no chão. O fato é real, palpável, verificável. Por isso, desde a Roma Antiga vale a regra de que, contra fatos não cabem argumentos (“argumentis factis contra nullum”). Mas você pode, a partir daí, criar ilações (imaginar, presumir) como o chão ficou molhado; poderia ser uma chuva ou água vertida de um balde. Isso não é real até que você comprove qual foi o fato (chuva) ou o ato (derrame d’água) que causou o chão molhado – regra de causa e consequência. Mas pode ser que alguém diga: “- O chão está molhado pois um unicórnio urinou ali.” Essa é uma ilação (presunção, imaginação) que já sabemos desde já impossível, afinal unicórnios não existem. Não há fato, não há realidade! Você poderia usar expressões como: “Viajou!”, “Pirou na batatinha!”, “Escorregou na maionese!”, … Ocorre que era assim. Não mais! Existem pessoas que negam a realidade e passam a viver esse mundo paralelo, inverídico, irreal, imaterial, falso,… Elas realmente acreditam nesses mundos e passam a espalhar as “verdades” do mundo imaginário. “Apenas quando somos instruídos pela realidade é que podemos mudá-la.” (Bertolt Brecht) Se esse mundo é falso, não serão verdadeiras suas notícias. São notícias falsas (“fake news”)! A questão é que a disseminação dessas notícias não é um privilégio de loucos – usado o termo com atecnicismo. Esses mundos irreais foram muito utilizados por seitas no processo de agregação de membros e politicamente – em alguns casos, geraram terríveis consequências, podendo ser citados de Hitler a Jim Jones. O problema é que, hoje, com as redes sociais, os propaladores desses mundos irreais são mais ruidosos e alcançam escala global. Quem são os criadores e disseminadores das “fake news” afinal? Ouso ver quatro grupos com subdivisões: os mal intencionados (geralmente são os criadores e instigadores dos mundos irreais que têm sensível ganho direto ou indireto com os mesmos), eles agem dolosamente na criação e disseminação da mentira; os levianos, que se subdividem em preguiçosos (recebem a informação, não checam sua concretude e retransmitem-na ou criam notícias baseadas em notícias falsas) e os oportunistas (sabem que a notícia é falsa, mas a replicam – ou criam sobre elas, pois terão algum ganho colateral direto ou indireto com a propalação desse mundo irreal); os negacionistas (sabem que não é verdade, mas optam por viver no mundo irreal, pois preferem fugir da realidade); e, finalmente, os alienados que tanto podem ser aqueles que repetem qualquer coisa e não têm capacidade de analisar o que repetem, ou os que geram certezas pelo que ouviram dizer sem qualquer reflexão. Somente, neste último grupo tende a ocorrer mera disseminação por repetição sem criação de novas “fake news”. E por que as “fake news” causam tantos problemas? Ainda que se diga que as pessoas são desconfiadas, elas partem da presunção da verdade sobre aquilo que foi escrito (mais do que sobre o que foi dito) ou da integridade por proximidade de quem disse. Betrand Russel dizia que: “Um dos paradoxos dolorosos do nosso tempo reside no fato de serem os estúpidos os que têm a certeza, enquanto os que possuem imaginação e inteligência se debatem em dúvidas e indecisões.” A questão é que no papel, como na plataforma da rede social, cabe qualquer escrito (verdadeiro ou falso), assim como, deveríamos ser mais reflexivos sobre o que nos dizem, ou o que escrevem as pessoas, independente de quem sejam elas – próximas ou não. Precisamos de políticas sérias por parte dos responsáveis pelas redes sociais no sentido de coibir, inibir e punir quem faz a disseminação de “fake news”, seja criando ou compartilhando. Muitas dessas notícias falsas são um grave prejuízo à sociedade, haja visto o que tem ocorrido durante a crise sanitária que vivemos, os ataques à democracia, a difamação de pessoas, fortalecimento de preconceitos,… Recebeu notícia? Pare, pense, questione, denuncie! Não saia compartilhando tudo que recebe, inclusive pelo risco das responsabilidades legais que pode vir a sofrer.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Thomas Paine, Bertrand Russel, Bertolt Brecht
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