“Piriri piriri piriri/Toca o fole na palhoça/piriri piriri piriri/como é bom São João na roça” (Luis Gonzaga)
Comigo foi assim, criado em meio a tradições e festas folclóricas! Aprendendo por elas a entender a importância de porquê celebrar e como celebrar. Portanto, ao se aproximar junho, tínhamos o início dos ensaios de quadrilha, a busca de um par, a procura de retalhos a compor o figurino, escolha do chapéu de palha mais vistoso e a angústia de ter que ser, ou querer ser, mais que um coadjuvante, na festa junina da escola. Já ouvíamos um som de sanfona, como na lição de Luiz Gonzaga: “Prá dançar quadria no sertão é mais mió/sanfoneiro e violeiro tomam conta do forró/não precisa orquestra pra animar a festa/o fungado da sanfona vai-se até o nascer do sol”. Meu pai usava uma expressão própria ao dizer: “- Esse garoto só entra em boca errada!” Na verdade, eu sempre estava participando ativamente como líder de equipes em gincanas, dirigente de centro cívico da escola, organizador de festividades, rei mago em presépio vivo, captador de doações no grupo de jovens,… Haja apoquentação e gasto! A família toda acabava articulada para resolver as questões daí oriundas. E não poderia ser diferente nas festas juninas. Fui padre e fui noivo e tenho fotos para provar isso. Na festa junina do colégio, onde cada turma se apresentava com sua quadrilha, os ensaios eram, por si só, festas. Mas eu comecei mesmo na quadrilha da festa junina do clube do bairro (Bingen Football Clube), onde também tinha ensaio com um “coreógrafo amador”. A dança da quadrilha me era querida, pois afastava o meu eterno problema com passos incorretos e “desacompanhamento” de ritmo. Minha coordenação motora sempre deixou muito a desejar! Tinha, também, a festa junina da família, mas, nessa, a quadrilha era uma bagunça, sem organização ou ensaios. Estavam lá fogueira, pé-de-moleque, canjica, cachorro quente, pipoca, amendoim torrado, churrasquinho, batata doce,… Aproveitávamos o carvão da fogueira para criarmos nossas costeletas, bigodes, sobrancelhas e até cavanhaques. Eram momentos de muita diversão. Sem dúvida, havia alguns reveses como a surra por beber quentão escondido ou a queda ao tentar pular a fogueira. Também havia a quermesse, na Igreja de Santo Antônio, no Bairro do Alto da Serra, que era marcada pelas maravilhosas cocadas. Esse tempo de criança em Petrópolis-RJ, passou. A vida ganhou outros contornos e veio um tempo de constante estada em São Paulo, onde as festas juninas na Igreja da Consolação e na Igreja do Divino Espírito Santo eram a possibilidade de lembrar aqueles tempos de criança. Mas também não faltava diversão, como apreciar vinho quente com os amigos ou o constrangimento do padre ao anunciar correios amorosos picantes ou homoafetivos. Eis que, em 2019, sou convidado para uma festa, já julina, na casa dos Siqueira. Os Siqueira são uma festa sem precisarem de convidados. Com convidados, tudo vira uma festa de arromba. E assim foi! Risos entre comidas típicas, bebidas, jogos, dança, casamento coletivo, … Mas eu não queria deixar de presenteá-los com algo que fosse especial, em agradecimento ao honroso convite. Aprendi em casa que não podemos deixar de agradecer de forma adequada aos convites recebidos e aceitos. E, assim, resolvi resgatar uma velha tradição. Para os poucos que ainda lembram das cantigas típicas das festas juninas, há uma em especial, celebrizada por Emilinha Borba, e que diz: “Capelinha de melão/é de São João/É de cravo, é de rosa/É de manjericão”. A capelinha de melão vem da tradição portuguesa, sendo um melão cortado para fazer o papel de uma capelinha onde se coloca uma imagem de São João. A capela, enfeitada de cravos da índia, é cercada por um jardim de manjericão e rosas. Levei para a casa dos Siqueira uma capelinha de melão. Como a festa era julina, achei melhor açambarcar os três santos (Santo Antônio, São João e São Pedro), para não haver ciúmes nem disputa. Suassuna me ensinou que com essas coisas não se brinca. O presente causou um certo frisson, muitas conversas e recordações. Sim, precisamos resgatar as tradições, pois são elas que trazem uma unidade cultural capaz de gerar um sentimento de nação, que parece perdido neste país. As festas tradicionais, suas danças, músicas, figurinos são formas de manter a nossa história, as nossas características, os elementos de nossa formação cultural. Enquanto vemos tantos países manterem suas tradições (EUA – “Thanksgiving Day”, Espanha – “Cabalgata de Reyes”, Áustria – “Krampuslauf”, …), no Brasil, tudo é considerado brega, ridículo e desprezível. Por vezes, quando mantidas, essas festas são transformadas em eventos para angariar fundos e lucrar, extrapolar vaidades e realizar competições, descaracterizando a essência delas. Essa postura de auto sabotagem de nossa história, de nossa origem e de nossa formação dá uma grande pista das características da sociedade brasileira atual, onde prevalecem o divisionismo, a falta de empatia, a precedência do material ao essencial, … Uma pena! Eu vivi essas festas e tenho muitos momentos felizes para relembrar e recontar. Momentos que me mostram uma vida boa, pois como disse Epicteto: “Lembrai-vos que em toda festa tendes dois convivas a entreter – o corpo e a alma; e o que dais ao corpo, na realidade o perdeis. Mas o que dais à alma, permanece para sempre.”
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Luiz Gonzaga, Emilinha Borba,Ariano Suassuna, Epicteto
Foto: Acervo próprio.
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