“A coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras.” (Aristóteles)
Recentemente, tenho visto uma equivocada visão de que coragem e ira são sinônimos. Na verdade, parece um discurso para justificar o ódio, o desamor e a falta de afeto. Existe uma completa falta de pudor permitindo que absurdos sejam ditos sob um suposto sinal de coragem. Ledo engano! Não existe na ira qualquer virtude. São Tomás de Aquino lembra que a ira é uma paixão simples e rápida – fácil de se concretizar, e que pode ocorrer a qualquer homem. A coragem é uma virtude e por isso Confúcio diz que “saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem”. Outrossim, coragem não significa falta de medo; nas palavras de Mark Twain, ela é “a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo”. Ter medo é normal e não caracteriza uma fraqueza moral. Todos os homens têm medo. “Quem não tem medo não é normal; isso nada tem a ver com a coragem.” (Jean-Paul Sartre). Aristóteles lecionava que: “A coragem é o justo meio entre os temores e as audácias relacionado a situações que ameaçam nossa vida.”. A virtude é o justo meio, que nos auxilia na escolha do caminho justo em nossa vida. O homem virtuoso busca o justo meio tentando evitar excessos extremos (vícios contrários à virtude). As virtudes são voluntárias e acarretam o hábito pelos bons atos; homens virtuosos geralmente passam pelo treinamento e educação para o alcance do hábito virtuoso. Os filósofos estóicos acreditavam que isso se dava paulatinamente, enquanto Aristóteles pregava esforço radical e veemente. “Agir racionalmente significa investigar o conceito do justo meio, escolhendo-o por livre vontade. Por isso, virtude é a mediana, presente no homem justo. … Inexiste o justo meio no excesso ou na falta.” (São Tomás de Aquino) Esse conceito de justo meio é uma boa regra que se mantém na visão filosófica pelo correr da história humana, podendo ser citada a visão da justa medida de Anselm Grün ou no entendimento oriental sobre o ponto de equilíbrio. O encontro desse justo meio passa pelo juízo interno da prudência. São Tomás de Aquino lembra que “a prudência é a própria retidão racional; …; a coragem é a firmeza do ânimo, a nossa persistência voluntária; …”. Entende-se quando Allan Kardec diz que: “Os homens semeiam na terra o que colherão na vida espiritual: os frutos da sua coragem ou da sua fraqueza.” Mas como a coragem pode ser considerada um justo meio? A coragem é a justa medida entre a audácia e a covardia. Quem age audaciosamente, excedendo o bom senso da coragem é precipitado. Já o covarde é aquele que evita os desafios. Os extremos, quando se vê a coragem como virtude, são a audácia (excesso) e a covardia (falta). Mas não podemos esquecer que os extremos dependem um do outro, reciprocamente, e só encontramos o justo meio ao considerarmos um extremo em relação ao outro. “A virtude é contrária a ambos os extremos” (São Tomás de Aquino) Por vezes, os vícios que se afastam mais do justo meio parecem mais contrários à virtude. Pode-se achar que ser audacioso é melhor que ser covarde. Talvez?! Mas a audácia continua sendo um vício pela falta do medo, que é normal a qualquer pessoa. Como dito, as virtudes são atos voluntários. É mais difícil ser virtuoso, porque a escolha do justo meio é mais dura, enquanto o desvio é bem mais fácil. Então, simplesmente bravejar, gritar, discursar e espalhar o ódio não é uma ação virtuosa, muito menos será sinal de coragem. Aquele comportamento tende a não passar de um ataque de ira. Voltando a São Tomás de Aquino: “Uma ação virtuosa depende do objetivo conveniente, do agente reto, do benefício correto e do modo adequado.” Qual a conveniência de espalhar o ódio? O que efetivamente de bom o prolator gera com seu discurso? Qual o exemplo de bons hábitos se tem com o prolator? Qual o ganho que se tem com tais palavras soltas ao vento? Como isso é feito à luz das boas regras de educação que sedimentam a civilidade na sociedade? Cuidado, então! Avalia o que ouves e usa na avaliação respostas a essas perguntas. Assim, você saberá se aquilo é coragem (virtude) ou ira (vício). A ira é vício e doença! “Uma ira desmedida acaba em loucura; por isso, evita a ira, para conservares não apenas o domínio de ti mesmo, mas também a tua própria saúde.” (Sêneca) A coragem está no enfrentamento do mal (ódio) e não em espalhá-lo.
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Aristóteles, São Tomás de Aquino, Confúcio, Mark Twain, Jean-Paul Sartre, Anselm Grün, Allan Kardec, Sêneca