“Nunca mais recuarei diante da verdade; pois quanto mais tardamos a dizê-la; mais difícil torna-se aos outros … ouvi-la.” (Anne Frank)
Era adolescente quando li “O Diário de Anne Frank”, e tal obra me levou a um estado de introspecção, que certamente refletiu na importância que dou à empatia, à compaixão e à misericórdia, bem como à justiça. Não imaginava somente os lugares e as condições das pessoas, mas vivia e imaginava seus estados mentais, sofrimentos, desesperos, esperanças, frustrações, medos, … Certamente devem ser muito parecidos com os de milhares de crianças brasileiras a quem são negados alimentos, saúde, saneamento, educação de qualidade, mas oferecida a violência das balas perdidas. Os campos de concentração se repetem com diferentes denominações, no tempo e no espaço. Na minha primeira viagem a Amsterdam, fiquei hospedado em um hotel da Raadhuisstraat a algumas centenas de metros da casa, e hoje museu, de Anne Frank. Demorei alguns dias para ter coragem de visitá-la. Imaginava reviver o sofrimento vivido a cada palavra do livro. Nunca entendi como aquela menina, passando por tudo aquilo podia dizer que “apesar de tudo eu ainda creio na bondade humana”. Uma manhã, bem cedo, me dirigi ao Museu. Em frente a Westerkerk, me deparei com a estátua em homenagem à pequena Anne Frank, e um calafrio me tomou. Olhei o céu azul de maio, em plena primavera holandesa – tempo de Keukenhof, e lembrei das palavras da menina: “Enquanto puderes erguer os olhos para o céu, sem medo, saberás que tens o coração puro, e isto significa felicidade.” Ao dobrar à direita e entrar no Prinsengracht minhas pernas reduziram a velocidade. Um passo não reconhecível em quem anda como um cavalo marchador prussiano do que me acusam os amigos. As pernas eram pesadas e um frio de ansiedade corria pela minha coluna. Bem diferente do acelerador ao fundo quando cruzo pela Linha Amarela, no Rio de Janeiro, com medo de balas perdidas, a Cidade de Deus ou o Complexo da Maré. Cada vez mais próximo e mais ansioso, avistei o Museu, onde uma fila considerável de turistas já estava formada. Espera e ansiedade são elementos que se reconhecem no mal fazer a uma pessoa. Ao entrar, constatei que o lugar não diferia das imagens que o leitor adolescente formara em sua mente. Cada detalhe me levava a uma parte do livro. Os sentimentos misturados, antagônicos e preocupantes da época da leitura, agora eram as energias que sentia no lugar. Mal suportava tamanha pressão. Foi uma experiência que me levou ao mesmo estado de introspecção da adolescência. Passei um dia sentado no Museumplein, divagando e refletindo. Uma das decisões foi a de que nunca visitaria um Campo de Concentração. Talvez sejam suficientes alguns lugares do Rio de Janeiro, onde o horror destrói toda a possibilidade de dignidade humana. Mas precisava seguir em uma viagem longa de muito aprendizado, encontros, realização de sonhos, … Uma viagem que gerou um diário bem mais belo que o da menina em fatos, mas não em qualidade literária. Ali, cercado pelo Rijksmuseum, Van Gogh Museum, Stedelijk Museum e o Concertgebouw, entendi a essência do momento. “Pense em toda beleza que ainda resta em torno de você e seja feliz.” (Anne Frank) Voltei várias vezes – a passeio, estudo e trabalho – a Amsterdam; todas as vezes fiz uma oração na frente da casa de Anne Frank, mas nunca mais adentrei o lugar. Creio que o único outro livro que me causou tal condição diante da maldade humana foi “A Estrada”, escrito por Vassili Grossman, presente de um estimado amigo. Passados quase 30 anos da visita à Casa de Anne Frank, os mesmos sentimentos me tomam ao escrever este texto. Mas, independente de qualquer coisa, tudo isso foi ensinamento, crescimento e melhoria enquanto pessoa. Sobre tudo, tirei uma lição irrefutável com a menina judia: “O melhor de tudo é o que penso e sinto, pelo menos posso escrever; senão, me asfixiaria completamente.”.