“Depois que um corpo / comporta / outro corpo / nenhum coração / suporta / o pouco” (Alice Ruiz)
Na cultura iorubá, o aniversário de uma criança é também o dia em que se comemora o nascimento da mãe. Chama-se de ọjọ́ ìkúnlẹ̀, algo como “o dia que me ajoelhei e dei à luz”. É a celebração do nascimento de uma cria saudável através de grande esforço espiritual. Achei lindo quando li isso em um texto da Morena Mariah, e na mesma hora lembrei dela. Porque, às vezes, é como se ela sempre tivesse sido mãe. Como se ela tivesse sido desde sempre. Entende? Como se fosse o tempo em si. Uma força da natureza, uma entidade… Ela é aquela mulher que o Caetano viu, preparando outra pessoa. A vida não é amiga da arte? Pois ela é a vida. E eu não falo só da coisa etérea. Ela é a própria matéria. “Substância extensível, divisível, suscetível de tomar todas as formas. A causa permanente de todas as nossas sensações.”. Mater. Alma. Minha mãe é fortaleza de cristal. Frágil, porque sente tudo. Mas imensa e transparente. Protege, cerca, envolve, abriga, cobre. Deixando a luz entrar. Tentar escrever sobre ela é um ato de amor desesperado, pois teria que inventar um novo dialeto. Criar um alfabeto só para dar conta do recado. Explicar o que ela é. O quanto ela é. O quão ela é. … E não seria adequado ter esse novo alfabeto refletido pelo mesmo azul cansado da tela do celular. Talvez precisasse inventar mais: Outro suporte, nova tecnologia, o centésimo décimo nono elemento da tabela periódica… Teria que parir um mundo! Cá entre nós, nada mais justo, já que o meu mundo foi ela que criou. Esse lugar em que vale a pena amar. Onde tudo é possível. Só existe amor. Ela que fez. Minha mãe é o bem que ela tanto me faz. Ela me fez. E fez o cara mais incrível, o cara mais: irmão. Maternidade? No caso dela, a palavra mais certa seria identidade. Vocação. Minha mãe não é adjetivável, ela substantiva. Mais que carinhosa, forte, doce, bela. É o carinho, a força, a doçura, a beleza. Tudo isso é ela. É como a fé. Simplesmente ela é. A mãe.
Autor: Foi ela que fez (Rodrigo Ribeiro – para sua mãe Márcia Siqueira)
Autores citados: Alice Ruiz, Morena Mairah, Caetano Veloso