SUPERAR O CAOS E VENCER O MUNDO
“Transcendendo o caos me reconcilio com o místico em mim.” (Caterine Vasconcelos de Castro)
Como vencer o mundo sem reconciliar-se consigo mesmo? Lanço essas perguntas justamente nesses tempos de caos, não só em razão da pandemia do COVID-19, mas principalmente da crise ético-humanitária, dos problemas globais e locais do meio ambiente, da ausência total de uma ordem internacional coesa que expresse a necessidade de governança global eficaz e responsável. Tudo isso nos convida a reconhecer que se torna mais do que necessária a prática humana de buscar a transcendência a fim de vencer o mundo, aprendendo que não devemos ter medo das crises da nossa era. O caos do mundo não precisa ser encarado como uma guerra, mas sim como um chamado por uma nova interpretação dos acontecimentos, além de uma oportunidade de florescimento humano. No Oriente, segundo o conceito Hindu, essa percepção transcendental da vida já é imanente, na medida em que se ensina que a “Lila”, que em sânscrito descreve o jogo da vida, significa perceber os acontecimentos como se fossem apenas um tabuleiro que pode ser encarado com bom humor. Mas como encarar este mundo como um tabuleiro divertido? Na visão hindu, todas as formas são relativas, fluidas, tudo em eterna mutação. Assim, o caos seria a atividade criativa do divino. O palco do mundo seria regido pelo agente e mágico divino, traduzido pela palavra maya. Maya é a ilusão de tomar coisas e fatos como realidades da natureza, ao invés de percebermos que são apenas conceitos oriundos de nossas mentes voltadas para a medição e categorização. Não significa que o mundo é ilusão. Ao longo da História extraímos inúmeros relatos escritos que descrevem experiências humanas de caráter excepcional ou transcendental, independentemente de ligação com qualquer religião, que proporcionaram a criatividade humana diante do caos ou inusitado. Em meio às aparentes distorções do mundo, perceberam a existência de princípios e padrões naturais no clima, nas estações, nas fases da lua e no formato das flores, dos frutos e dos favos de mel, surgindo inclusive o estudo da geometria sagrada. Portanto, já é sabido que existe aí uma tecnologia desconhecida, uma linguagem natural e não humana que põe ordem no caos. No âmbito da psicologia, durante a década de 50, Abraham Maslow, começou a trazer essa noção da dimensão espiritual como parte da biologia subjetiva do ser humano. Introduziu-se o conceito de autorrealização, e, como tal, passou a ser incluída na compreensão do desenvolvimento humano, eis que sem essa dimensão o ser se torna violento, niilista, apático ou vazio de esperança. Surge então, no ocidente, com a psicologia humanista o conceito da necessidade humana da transcendência, que se relaciona à integração de níveis superiores de nossa consciência, mais inclusivos, os quais devem ser estimulados, vivenciados, evitando que adoeçamos por não realizarmos nosso potencial de modo pleno. Assim, pode-se inferir que a conexão com algo maior não coexiste tão somente por meio de dogmas ou teologia, eis que se pode experimentar a transcendência humana sem necessariamente estar num âmbito religioso. De outro lado, a mística se distingue da religião por referir-se à experiência direta com a divindade, transcendendo a limitação da personalidade humana sem a necessidade de intermediários. O místico, portanto, é aquele que aplica o que conhece em si e no mundo, pois, seguindo o seu saber interior, tem noção do efeito do não agir. É nessa esfera do místico que se encontra o ético, o estético e o transcendente. Alguns filósofos acreditam que o misticismo é uma forma de conhecimento ou simplesmente uma forma de expressar a transcendência. Alcançar a transcendência e viver o místico em nós significa experienciar intensa e multidimensionalmente a vida no cotidiano, mantendo a intuição, a mente, o coração e o espírito abertos para as dimensões visíveis e invisíveis aos olhos e conectando-se com a natureza e os múltiplos potenciais humanos. Antigamente, encontravam-se os místicos meditando nas cavernas do Himalaia, nos ashrans da Índia ou em qualquer lugar muito recluso. Atualmente, é preciso encontrar o místico em cada um de nós, nas nossas atividades diárias e nos desafios do cotidiano. Não há lugar para fugir. É na travessia das experiências da vida que surge a união da necessidade de transcendência com o emergir do místico em nós, a partir da busca constante dessa integração dos níveis superiores humanos com os fatos que nos levam a experienciar o mistério, ou a sabedoria interior. Portanto, urge encarar esse cenário sabendo que os dilemas da vida são oportunidades de recordar o conhecimento de si mesmo. Por isso a máxima inscrita no portão de Delfos continua sendo a melhor resposta para aqueles que procuram saber como superar o caos e vencer o mundo. “Conhece-te a ti mesmo”. Esse preceito, aparentemente singelo, tem sido a profundidade que me norteia a aprender transcender o caos e encontrando com o místico em mim.
Autora: Caterine Vasconcelos de Castro