Na manhã fria, em uma maternidade de periferia, no desconforto do SUS, nasceu Antônio. Numa prece sussurrada ao primeiro contato e ao ouvido do bebê, seu pai disse: “- Você, Tonho, vai ser alguém na vida!”. Em um país de tão pouca dignidade aos cidadãos, ser alguém é muita coisa, pois todos se tornam uma unidade da manada. Os pais trabalhavam duro, mas repetiam a mesma ladainha: “- Tonho, estude! Tonho, seja alguém na vida!”. Tonho se tornou o estranho, pois estudava. A escola não era o lugar só da merenda ou do recreio. Nem sempre nas brincadeiras de rua, mas viajando nos livros muitas vezes surrados. Era diferente de Clarinha – que com cabelos loiros seria modelo, de Pedrinho – que por fazer mais gols seria jogador de futebol, de Eduzinho – que com seus arroubos e força seria militar, … Tonho estudava! Estudava! Depois, trabalhava e estudava! Nas suas dificuldades, seguia o sonho de ser alguém. Enquanto isso, Clarinha, grávida e solteira, vivia às custas da família, trocando de parceiros e acumulando filhos. Um emprego melhor e Tonho já podia pensar em faculdade. E Pedrinho se tornava um “porta de botequim”, na desilusão de não ser um craque do futebol. Mas Tonho, por sua dedicação e modelo de menino, ainda que havendo tempestades, encontrou mãos que o ajudassem. E existia retorno ao bem feito, gratidão e empatia. Nunca deixou de colher os frutos que plantou! Também havia os “seca-pimenteiras”, como a patroa da mãe de Tonho, que achava que o menino perdia tempo pois não seria ninguém, e com o tempo que dedicava aos livros poderia gerar algum dinheiro a mais para a família. Mas a história mostrou que o fantástico filho da preconceituosa mulher tinha destino; aquele príncipe se tornou, tão somente, nas asas do mimo e do materialismo, um derrotado a ser sustentado. A vida é maior que a vontade e diz mais “não” do que “sim”! E, na TV, Tonho recebe a notícia da morte de Eduzinho – traficante perigoso e violento, em mais uma guerra do tráfico na comunidade. Comunidade: nome politicamente correto para suavizar a visão que o termo favela concretizou. O Brasil sempre foi assim; acredita-se que mudando o nome, a mesma coisa será diferente. Alguém já disse que não importa o nome que se dê, uma rosa será sempre uma rosa. E o sempre pequeno Tonho, na celebração da graduação, orgulha os pais, não só pelo feito, mas pelo agradecimento de público – reconhecimento pelo apoio e pela orientação dos pais em favor da educação para ser alguém. Seu pai agora sussurra: “- Meu Tonho é doutor. Meu Tonho é alguém na vida!” Com seu diploma, agregado a seu comportamento e histórico, Antônio é promovido. Ele se faz um líder! Aprendeu, na vida, as coisas da ciência e do humanismo, mas também a beleza da empatia, da gratidão e da compaixão. Ele segue no seu trabalho e já propicia dignidade aos pais. Reconhecimento e retribuição! Mas Tonho é alguém e significa mais! Ele empreende e já tem seu próprio negócio. Vive as dificuldades de ser um idealista sério em um país de políticos e administração desencorajadores, mas persevera como nos estudos. Tonho estabelece sua família! Ele realizou sonhos, enquanto se perdiam os que, à sua volta, só deliravam ou atrapalhavam. Tonho faz diferença como pessoa e como exemplo. Aquele bebê nascido franzino se fez admirável pela sua história! Uma história construída no valor da educação e na força do seu querer e perseverar. Os que achavam Tonho estranho por estudar? Hoje acham que ele sempre teve vida fácil – a eterna postura dos derrotados e dos delirantes.