SEXUALIDADE E LIBERDADE DE SER VOCÊ MESMO.
“Todos os seres humanos ocultam a verdade nos assuntos sexuais.” (Sigmund Freud)
Quando a Legião Urbana cantou “gosto de São Francisco e São Sebastião/E eu gosto de meninos e meninas/Vai ver que é assim mesmo e vai ser assim pra sempre/Vai ficando complicado e ao mesmo tempo diferente”, as leituras foram as mais diferentes e demonstraram o que tem ocorrido durante toda a história da humanidade. Na verdade, a sexualidade é inerente ao homem e por força dela ele busca formas de prazer, seja por ação ou omissão, envolvendo pessoas, objetos, animais ou plantas. E isso é um problema e uma responsabilidade de cada um. Da heterossexualidade à pansexualidade, tudo sempre existiu, e tudo sempre foi visto sob diferentes perspectivas dentro do momento histórico nos espectros da sociologia, religiosidade, filosofia,… E dentro dessas premissas sócio-históricas, amor e sexo acabam sendo alinhados, e sobre isso, não faltam dúvidas. Outra canção brasileira, “Amor e Sexo”, mostra claramente a dicotomia, na letra e voz da eterna e sexy Rita Lee. A repressão envolvida com o sexo não se contém somente no questionamento sobre com que gênero se faz sexo. Lembremos, na Bíblia (Gênesis 38:9), a história de Onã, da qual deriva o termo onanismo, onde mesmo sendo heterossexual, o personagem é culpado por uma masturbação básica. Quem nunca? Na escola, os meninos viviam olhando se surgiam pelos nas mãos, diante da máxima de que mão peluda era sinal de masturbador compulsivo. Sexo grupal? Quem não fez, provavelmente, já imaginou e sonhou. Às vezes, a imaginação pode ser bem mais fértil do que aquilo que se viverá na concretização ou mesmo do élan do ato em si. “O sexo é um acidente: o que dele recebemos é momentâneo e casual; visamos a algo mais secreto e misterioso do qual o sexo é apenas um sinal, um símbolo.” (Cesare Pavese) O homossexualismo é outra opção deveras questionada. Se voltarmos ao passado, quando o afeto e a prática sexual não se distinguiam, as relações sexuais não traziam uma diferença valorativa daqueles que praticavam ou optavam pelos hábitos homo ou heterossexuais. Na Grécia, por exemplo, por vezes, as relações de pessoas do mesmo sexo chegavam a ter fins pedagógicos. Vejam Atenas, onde os filósofos viam o envolvimento sexual com seus aprendizes como um instrumento para estreitar afinidades afetivas e intelectuais de ambos. Sócrates serve de exemplo aqui. E, em Roma, relações firmes como a do Imperador Adriano e Antinoo eram um exemplo. E aí temos que voltar a questão de Onã, pois foi o cristianismo que mudou toda a visão da sexualidade, sob o entendimento do papel do sexo como instrumento de procriação, excluído o direito e desejo refrentes ao prazer. O cristianismo sempre gostou de sofrimento e culpa! Mas é estranho, pois o mesmo, no início, não se preocupava com o casamento (pobres só passaram a casar com a Revolução Industrial). A procriação envolvia aumento de poder terreno (servos, crentes, …) e seus aspectos econômicos, assim como capacidade de interferência política (direito da primeira noite, …), envolvendo virgindade para certeza de correta transferência patrimonial hereditária. Esse movimento histórico se fortaleceu pela difusão do conceito de pecado e consequentes preconceitos. “Sem pecado, nada de sexualidade, e sem sexualidade, nada de História.” (Soren Kierkegaard) Neste cenário, sexualidade, casamento, procriação e gênero acabaram na mesma bacia. Só que óleo e água nunca se fundirão. E, por todo esse tempo, as pessoas continuaram vivendo, ou sublimando, opções, desejos e realizações sexuais, com consequências diversas. Leonardo Da Vinci, que era homossexual, disse: “Se escolheres o prazer, conscientiza-te que atrás dele há alguém que só te trará atribulações e arrependimento.”. Nos anos 70, a questão da liberdade sexual ganha espaço, juntamente com os conceitos de viver livre, ser quem se é, extravasar e realizar desejos. Uma tentativa de rompimento com a hipocrisia reinante, que ainda é um resquício da evolução e expansão do cristianismo, estava em curso. Hipocrisia, sim, seja pelos casos e escândalos de homossexualismo e pedofilia (este último um crime e uma covardia!) envolvendo a Igreja, seja pela evolução da AIDS, quando mais mulheres casadas eram infectadas que homossexuais. O assunto reaparece borbulhante, mais atual do que nunca… Talvez, a grande questão hoje, onde o preconceito ainda reina – principalmente o religioso – está na forma de reconhecimento jurídico das situações patrimoniais (heranças, patrimônio comum, …) e familiares (adoções de filhos, pátrio poder, …) oriundas do poliamor, das uniões homoafetivas, dos trisais, … O convívio social com casais e trisais é cada dia mais comum. Trata-se de um convívio importante, pois afasta grande parte dos preconceitos incutidos subliminarmente como perversão, sacanagem, infidelidade, desrespeito, descomprometimento, …. “A ignorância não fica tão distante da verdade quanto o preconceito.” (Denis Diderot) Durante um longo tempo, dentre meus amigos, o casal de relação mais duradoura era homoafetivo. Tenho amigos a quem nunca sei perguntar se ele está com um namorado ou uma namorada, e tudo bem. Também tenho amigos que preferem viver só sexo sem afeto – tudo bem, também. Não são as opções sexuais ou práticas sexuais que definem o caráter da pessoa, e isto é o que realmente importa no ser humano. A história mostra o quanto a civilização dependeu de pessoas das mais variadas orientações sexuais. O grande problema da falta de liberdade na orientação sexual está nas frustrações e traumas, a partir dos quais comportamentos nocivos podem advir. “Tão estranho carregar uma vida inteira no corpo e ninguém suspeitar dos traumas, das quedas, dos medos, dos choros.” (Caio Fernando Abreu) Quantas pessoas não têm parceiros/cônjuges se realizando “na rua e nos banheiros”? Quantas pessoas não agem de forma preconceituosa, com medo de serem descobertas nas suas reais sexualidades? Quantas pessoas boas não são agredidas por serem elas mesmas nas suas sexualidades? A quantas pessoas são negadas oportunidades por suas opções de gênero ou de opção sexual? Será que se houvesse liberdade e tranquilidade sobre a sexualidade, a sociedade não seria melhor, menos violenta, menos hipócrita, menos desrespeitosa? Será que a plenitude da sexualidade não seria um passo na vida boa do indivíduo pela chance de ser feliz, ter prazer e ser verdadeiro? A mim, só interessa a orientação sexual de quem eu vou me relacionar sexualmente. Cada um é o que é. Me preocupa mais é que meu semelhante seja digno e feliz. Afinal, a sexualidade deveria ser libertadora e cada um tem a sua.
Autoria: Fernando Sá, Márcia Siqueira e Leonardo Campos
Autores citados: Sigmund Freud, Legião Urbana, Rita Lee, Cesare Pavese, Soren Kierkegaard, Leonardo Da Vinci, Denis Diderot, Caio Fernando Abreu
Foto: pixabay.com
GregMontani