“Não lembrar pode ser libertador como pode aprisionar uma alma. Aí são escolhas.” (Leonardo Campos)
Ando esquecida. Não que eu perceba, mas de alguma forma eu sei. Meus três filhos sempre falam que eu já disse alguma coisa. Será mesmo? Às vezes duvido, mas fazer o quê? Confio neles. Os outros que falam comigo, por educação, balanço a cabeça. Não sei quem são. Dizem ser meus 2 outros filhos e netos. Meu Deus! Como pode? Isso me dá uma angústia do avesso. Pergunto do Paixão e não quero acreditar. Sei que ele vai voltar. Não me ocorre que ele se foi para sempre. Eu saberia. Posso não lembrar, mas esquecer é diferente. Não lembro onde deixei as chaves, o que comi, o que passou na televisão agora há pouco, que horas tomei o remédio… Mas esquecer é mais complicado. Não vem nada. Nenhuma pista, nenhum sentimento. É frio e vazio. Me embrenho nos pensamentos e me perco. Às vezes tenho a impressão de que não voltarei do breu da minha mente e por isso me ocupo. Mas só de me ocupar me escapa o que estava fazendo. Por isso percebo que eles falam a verdade. Mas como não esqueço quando brincava com a minha irmã no parque, andando de bicicleta? Como eu sei o nome de todos da minha turma do ginásio? Não entendo como guardei na memória a data de aniversário dos meus avós e, no entanto, não sei que dia é hoje. Minha lua de mel com Paixão! Sei onde guardei meu vestido daquele dia. Só não sei onde ele está, mas sei que vai voltar. Respiro e levo na esportiva, sem perder o rebolado, quando me perguntam algo de que não me recordo. É bom que aprendo – de novo, talvez. Alguns têm paciência e outros se alteram. No começo isso doía. Nunca tratei ninguém com indiferença ou ignorância. Mas como não sei o que fiz para eles me tratarem assim, perdoo. Posso estar errada mesmo e ter feito alguma coisa de que não me lembro. Finjo não perceber a falta de paciência. Evito falar e perguntar quando me vem um lapso do que escrevi no meu caderninho de memória. Está ficando cada vez mais difícil. Por vezes, choro no travesseiro e sorrio na mesa. Não lembrar pode ser libertador como pode aprisionar uma alma. Aí são escolhas. Evoco o que me é nítido para rememorar o que não sei se vivi. Quando estou lúcida dessa dificuldade, peço que me ajudem com as minhas deslembranças. E peço todo dia como prece: Paixão, se você não voltar, quero ir ao seu encontro para descansar.
Maravilhosa reflexão.. lindo texto
Rodrigo, que bom que você gostou. Obrigado pela sua participação! Continue nos seguindo e compartilhe com os seus amigos.