João Paulo odiava muitas coisas, dentre elas seu nome. Então, passou a ser Brian. Também não gostava de sol nem de chuva. Também não conhecia a música de Tom Jobim, pois odiava MPB. Pedalar nem pensar. Como não ia à academia, só era sarado no seu perfil de rede social, que completava com uma foto de outrem. Brian acordava pela manhã tateando, de olhos fechados, o celular com quem dividia o travesseiro. Sua grande dúvida matutina envolvia iniciar sua vida pelo Instagram, Facebook ou Twitter. Ir à escola era um profundo sofrimento, pois tinha que ser João, quando ele era verdadeiramente Brian. Seu pai já lhe ameaçara tirar o celular, mas sabia que as ameaças familiares eram práticas sem continuidade. Afinal, como os pais não entendiam que o virtual permitia a ele uma realidade substitutiva? E se cansasse poderia ainda se transformar em outra pessoa. Seu dia transcorria entre seus perfis, que faziam realidade seus sonhos e afastavam dele a concretude do real. E, assim, Brian estabelecia suas redes de amigos virtuais, suas vidas paralelas, seus amores platônicos e práticas sexuais virtuais. Às vezes, por uma gafe, tudo ruía, como quando enviou um “nude” verdadeiro, mas que contrariava a foto “fake” do perfil. Nunca entenderia aquele dito popular: “Todo mentiroso tem que ter boa memória.”. Afinal, Brian não mentia! Ele era o que o mundo virtual lhe permitia ser. Mentira era a realidade que queriam lhe impor e da qual ele não gostava. Brian era sempre feliz, enquanto João, só às vezes; Brian era o padrão de desejo estético, João não; Brian fazia o que queria sem responsabilidades ou limites; … Brian era a liberdade total! O maior prazer eram os “games”, que substituíam os horários de dever de casa, almoço e jantar, e muitas vezes, as noites de sono. Tinha cuidado para nada cair sobre o teclado enquanto comia, em total isolamento pessoal, mas em convergência virtual. Adorava “reality shows” de onde tirava modelos – a maioria de comportamentos duvidosos – para seus perfis reais e já não virtuais. Quando virtual e real se invertem não há confusão, mas cataclisma. E, assim, João cometeu uma gafe maior, que o expôs publicamente na escola. Entre julgamentos de louco e mentiroso, e diante da morte pública de seus perfis – inclusive Brian, João tentou acabar com o real. No corredor do hospital, os pais trocam acusações sobre quem permitiu que aquela situação chegasse onde chegou. Tarde, não!? Nunca perceberam que sua família era virtual?