“Nunca se berrou tão convictamente tanta asneira sob o sol. (…) É asfixiante!” (Euclides da Cunha)
Começo meu texto com o episódio do desabafo do médico virologista Maurício Lacerda Nogueira, pesquisador e professor da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto-SP) que tempos atrás, com uma resposta direta, curta e com um palavrão, refutou mentiras disseminadas no Facebook acerca das vacinas. Após a repercussão de sua pequena mas contundente fala, explicou: “Acabou a paciência que nós temos em relação à negação da ciência, à negação da pandemia, e também à pandemia de fake news, que é pior ainda do que a pandemia [da covid-19] que estamos vivendo”. Sim, estamos todos (ou quase todos, infelizmente) de saco cheio com o desrespeito a todas as Ciências (Direito, Economia, Saúde…), perpetrado nas redes com o apoio e incentivo, inclusive, de autoridades mal intencionadas, pra dizer o mínimo. São tantos absurdos alçados ao patamar de verdades por pessoas sem qualquer qualificação – em termos de conhecimentos específicos sobre as matérias – que chegam a assustar… E nesse ponto concordo com Thoreau, para quem “A massa nunca se eleva ao padrão do seu melhor membro; pelo contrário, degrada-se ao nível do pior.” São indivíduos insatisfeitos consigo mesmos que, juntos num grupo, fortalecem a percepção do eu, identificando-se com uma posição mental cuja busca é, principalmente, de oposição. O Ego se alimenta disso. É o que o Mestre Eckart Tolle chama de Ego Coletivo: “Um ego coletivo costuma ser mais inconsciente do que os indivíduos que o constituem. Por exemplo, as multidões (que são entidades egoicas coletivas temporárias) são capazes de cometer atrocidades que a pessoa sozinha não seria capaz de praticar.” Então a internet torna-se terra de ninguém…Todos viram experts em TUDO! A ordem é OPINAR! Mas a que preço? Anos dentro de uma instituição de ensino, dedicados ao aprendizado aprofundado, com especializações, não valem de nada?! Sim, pois basta qualquer um ruminar algo nas redes, que a turba (sim, turba!), alimentada por teorias da conspiração e sem qualquer base científica, compra a ideia e aquilo passa a ser verdade. E disseminam…, disseminam como vírus sem sequer terem a preocupação de verificar a fonte. Não há qualquer comprometimento com a lisura da informação. Vive-se no automático. Curtir, compartilhar e espernear! A sensação é a de que as redes passaram a fazer as vezes dos encontros sociais de fofocas, de onde saem as maiores barbaridades em termos de maledicência, leviandade e desrespeito. Clara e cristalina a constatação de Umberto Eco: “O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade.” E para piorar, o problema é o alcance que a fofoca passa a ter, uma vez que a internet torna tudo de conhecimento nacional, quiçá internacional. É a mediocridade alçada ao estrelato! A grande questão é que esses ruídos têm consequências graves, pois abalam a credibilidade das Instituições. Instituições essas criadas e lapidadas a tanto custo e tempo, após décadas de obscurantismo, de opressão, de perdas de vidas…Temos assistido, horrorizados, a tudo isso… E a pergunta que não quer calar é se estarão essas mesmas Instituições suficientemente fortalecidas e preparadas para salvaguardar direitos fundamentais e impor deveres, de modo a trazer a normalidade democrática de outrora. O que vem sendo feito para coibir a disseminação de “fake news” – que, além de outros assuntos, prega o negacionismo e a oposição à vacinação coletiva – é o suficiente? Tempos difíceis esses nossos…Tempos em que testemunhamos a ascensão da bestialidade e, ao mesmo tempo, a separação entre o joio e o trigo…Mas o que virá depois? Confesso que dá medo imaginar…
Autoria: Adriana Abud
Autores citados: Euclides da Cunha, Henry David Thoreau, Eckart Tolle, Umberto Eco.