RESSIGNIFICANDO JESUS
“O caminho do esclarecimento existencial é sempre solitário.” (Pe Fábio de Melo)
Cada um tem sua percepção acerca de Jesus e respeito bastante esse processo, que é, essencialmente, individual. É como diz Pe Fábio de Melo: “O caminho do esclarecimento existencial é sempre solitário.” Anos atrás falar sobre Jesus não seria tarefa fácil. Primeiro, pelo registro de memória opressora que tenho da infância. Explico. Vindos de uma família materna católica ferrenha, éramos obrigados – eu, meus irmãos e primos, com idades que variavam entre 4 e 8 anos – a participar de infindáveis novenas de Nossa Senhora na casa da minha avó. A imagem da santa passeava nas casas dos fiéis toda noite, em torno da qual as pessoas se reuniam em orações e cânticos. Nada mais enfadonho para um grupo de crianças que só queria brincar, correr, pular… Imagine mantê-las comportadas e compenetradas nesse ambiente? Tarefa impossível! Era um tal de fazer caretas umas para as outras, de soltar gargalhadas no meio da ladainha, o que rendia, invariavelmente, olhares de reprovação e um beliscão no braço…Já num segundo momento, aquela percepção infantil revelou algo mais sério. Foi nas aulas de História que passei a conhecer o enredo triste, opressor e covarde escrito pela Igreja Católica, tendo como ápice as atrocidades ocorridas durante a Inquisição. Com sua organização não só teleológica, como também política, vimos o Cristianismo se firmar como poder temporal, em detrimento da liberdade de pensamento e de expressão. Clássico exemplo de como a crença de estar numa posição isolada de detentor da verdade pode nos levar à insanidade. Muitos, a exemplo de escritores conceituados como os gnósticos (que interagiam com o Platonismo e o Hermetismo à época, e deixaram uma série de evangelhos apócrifos), foram perseguidos e combatidos como hereges. Foram séculos e mais séculos torturando e queimando pessoas vivas em fogueiras por divergirem da ideologia cristã ou de suas Escrituras, tidas como verdades absolutas. Daí minha enorme dificuldade em ter bons olhos para o Cristianismo, com sua “dualidade maniqueísta na doutrina de bem e mal, e céu e inferno.” (Mestra Leslie Temple-Thurston), o que me rendeu uma certa indiferença com relação à figura de Jesus Cristo. Por que tanta violência e covardia para se defender uma figura? Onde estava a coerência em se utilizar de tanta brutalidade para pregar o Amor, a Caridade, o Perdão?! Não me achando nos dogmas da Igreja Católica, enveredei, então, em estudos sobre as Escolas de Mistério e Tradições Antigas e, mais tarde, sobre o Autoconhecimento. Me aprofundei na interpretação das mensagens preciosas deixadas pelos Mestres, muitas vezes deturpadas ao longo do tempo. Foi quando ressignifiquei a imagem de Jesus. Percebi que todas as mensagens, de um modo ou de outro, convergiam para um ponto inarredável: a necessidade do autoconhecimento, de reconhecermos nosso lado obscuro (sombra), onde se escondem os sentimentos mais primitivos, os instintos mais reprimidos, nosso egoísmo visceral enfim, pois “Ninguém se ilumina imaginando figuras de luz, mas se conscientizando da escuridão.” (Carl Jung) Essa viagem para dentro de si mesmo, geralmente, não é agradável, vez que, ao mergulharmos, estaremos diante de nossos medos, frustrações, ressentimentos, inseguranças, algo que nossa mente consciente rejeita de pronto. Mas ela é necessária para que tenhamos a chance de enxergarmos nossa Luz, nossa conexão divina, a consciência do Self autêntico, não separado da Fonte/Deus. Tudo agora fazia sentido: se me conheço (meu lado Sombra e meu lado Luz), posso me transformar em um ser melhor para mim e para meu semelhante. Se compreendo (sem julgar) e acolho a minha sombra, posso desenvolver um olhar mais misericordioso, com mais compaixão para comigo mesma e, consequentemente, para com o outro. Nesse sentido, temos muito o que aprender com nossos “inimigos”. A inscrição na entrada do Oráculo de Delfos (“Conhece-te a ti mesmo”) é a referência nessa busca. Essa lição o Mestre Jesus, em várias oportunidades, quis transmitir a todos nós: ” …o reino de Deus está dentro de vós.” (Lucas 17:20), ou ainda o texto gnóstico O Evangelho de Tomé, onde Jesus disse: ” Se aqueles que os lideram disserem a vocês: ‘Vejam, o Reino está nos céus’, então os pássaros dos céus os precederão. Se eles lhes disserem: ‘Está no mar’, então os peixes os precederão. Mas o Reino está dentro de vocês e fora de vocês. Se vocês conhecerem a si mesmos, então serão conhecidos e saberão que são os filhos do Pai Vivente. Mas se não conhecerem a si mesmos, então estarão na pobreza e serão pobreza.” Há, também, aquela passagem em que Jesus disse: “Negue-se a si mesmo”. O “negar-se” aqui refere-se ao ego. Se ele (o ego, a falsa percepção do eu) fosse realmente quem somos, Jesus jamais pediria isso. Existe, ainda, a passagem na Bíblia que diz: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” (João 8:32) Que verdade é essa? A de que não somos a personalidade condicionada (ego), e sim consciência pura, energia, luz e amor. Nós somos um com Deus. E foi assim que fiz as pazes com Jesus Cristo. Vi o despropósito em desconsiderar Sua figura e importância por conta das perversidades humanas cometidas em Seu nome. Seus ensinamentos, que serviriam justamente para indicar o caminho de saída da armadilha do ego, foram deturpados pelos homens e serviram para perpetuar parte dessa insanidade. A Humanidade ainda não tinha a capacidade de alcançar a profundidade de seus ensinamentos. Hoje, a par de Seu Simbolismo Esotérico trazido em seus 3 aspectos (Cósmico, Histórico e Íntimo) pelo Gnosticismo, enxergo-O como “Princípio Universal da vida, que está em tudo” (Samael Aun Weor), como um Mestre, um mensageiro, um ser raro e precioso, expressão de Deus, além de “uma força que deve nascer e desenvolver-se no interior da Alma Humana, unindo-a com Deus.” (Samael Aun Weor) Há quem não inclua Jesus no rol, mas para mim Ele foi mais um Avatār, além das mais de dez Manifestações listadas no Shrimãd-Bhagavata. Acerca do significado de um Avatār: “Sempre que a Retidão decai e toma brios à Iniquidade, renasço para proteger os bons, confundir os maus e restaurar firmemente a Justiça. De idade em idade, renasço com esse intento.” (Bhagavad-Gitã, IV: 7-8) Segundo Annie Besant, o que diferencia um Avatār de um homem são duas características principais: a sua devoção ao Supremo e o seu amor pela Humanidade. Sim…, Ele precisa amar a Humanidade, com todos os seus erros e acertos. É o Amor Incondicional de que tanto se fala. E isso tudo tem uma razão muito simples de ser: “Não há nada”, diz o Amado, “móvel ou imóvel, que possa existir sem Mim”, e a não ser que o homem possa transformar isso em sua natureza, a não ser que possa amar tudo o que existe, não apenas o belo, mas o feio, não apenas o bom, mas o mau, não apenas o atraente mas também o repelente, a menos que ele sinta o Ser em cada manifestação, não poderá subir o íngreme caminho que o Avatār deve palmilhar.” (Bhagavad-Gitā, X:39) Portanto, isso só reforça, em mim, a ideia de Jesus Cristo como um Avatār, pois Ele se ofereceu em sacrifício pela Humanidade, a mesma que lhe virou as costas. Hoje olho para Ele com uma enorme gratidão e com uma vontade obstinada de me manter consciente de seus ensinamentos, tentando enxergar meus irmãos de caminhada além da minha visão limitada de mente discriminativa, sem julgamentos ou tentativas de redução dos mesmos a um conceito. Não quero ser mais uma a Lhe virar as costas. É a lição Dele que fica: “Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Somente assim podereis ser reconhecidos como meus discípulos.” (João 13:34-35)
Autoria: Adriana Abud
Autores citados: Pe Fábio de Mello, Eckart Tolle, Annie Besant, Leslie Temple-Thurston, Bhagavad-Gitā, São Lucas, São João, São Tomé, Samael Aun Weor.
Foto: pixabay.com
yogakalyanii
Realmente Adriana, a Inquisição foi um período negro da História da Igreja!
Tenho certeza absoluta, de que Jesus condenou!
“Amai ao próximo como a si mesmo, foi uma das suas máximas citações!
Acho que Jesus foi o precursor do Movimento Anti-homofobico, anti-rascismo e anti segregação das classes sociais!
” Não julgue, para não seres julgados ” . “AMAI O PRÓXIMO COMO A SI MESMO ”
Sempre estudei em Colégio de freiras , e tive assim oportunidade, de conhecer o Evangelho
Jesus é a minha fonte de inspiração para tudo !
Parabéns Adriana, por abordar esse tema tão importante, com singeleza e profundidade!
Maria, obrigada pelas palavras! Nos servem de incentivo neste Projeto tão especial para nós, que é o Omnisversa. Continue nos seguindo e compartilhe com os seus amigos.