“No Carnaval, esperança que gente longe viva na lembrança, que gente triste possa entrar na dança, que gente grande saiba ser criança.” (Chico Buarque)
Fevereiro é um mês singular sob vários aspectos. Além de ser o único mês do ano com menos de 30 dias, trata-se de mês dedicado a uma das maiores festas do calendário brasileiro: o carnaval. Sim! Digo mês! Porque a folia vai muito além do feriado da terça-feira gorda e se estende, para frente e para trás, durante várias semanas, invadindo março e, por vezes, janeiro. Mas neste ano, ironicamente, me veio à mente aquela marchinha do saudoso Zé Keti, em parceria com Pereira Mattos, “Máscara Negra”… Dizia seu primeiro verso: “Quanto riso, oh, quanta alegria! Mais de mil palhaços no salão. Arlequim está chorando pelo amor da Colombina, no meio da multidão”. Tantas referências aos dias atuais, a começar pelo título. Mas aquela máscara não tinha viés sanitário sendo, isto sim, mero disfarce para proteger o anonimato em tempo de festas pagãs, herança das raízes venezianas da festa. Mas é no corpo da primeira estrofe que as provocações temporais aparecem mais claramente. E desmentindo Graciliano Ramos – “se a única coisa de que o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano” – não veremos, neste ano de COVID, mais de mil palhaços no salão e tampouco a multidão. Mas essa situação não é inédita. Ocorreu no início do século passado, quando aqui gracejou a Gripe espanhola. O relato de Nelson Rodrigues, no livro “A Memória Sem Estrela”, registrou: “Lembro-me de um vizinho perguntando: — ‘Quem não morreu na espanhola?” E ninguém percebeu que uma cidade morria, que o Rio machadiano estava entre os finados. Uma outra cidade ia nascer. Logo depois explodiu o Carnaval. E foi um desabamento de usos, costumes, valores, pudores”. A verdade é que o primeiro Carnaval após aquela crise, o de 1919, foi uma quebra de paradigmas…; literalmente uma festa de arromba. Mas voltando às folias de momo atuais, alguns podem se perguntar sobre o ápice da festa carioca – o desfile das escolas de samba. Como as comunidades lidaram com isso? Particularmente esse aspecto da festa sempre me interessou bastante. Longe dos tempos do amadorismo, os desfiles atuais seguem rígidos padrões de execução, regidos por controle de custos e prazos, exigindo articulação, comunicação, coordenação e gestão esmerados. Afinal de contas, um desfile de qualquer agremiação é complexo projeto, que ao contrário da reforma da cozinha de nossa casa, não pode falhar no prazo, sob pena de não servir para nada. Não cabe mais pensar que tamanha alocação de recursos se dê apenas na base do improviso. Toda a comunidade coloca o seu melhor na preparação desta verdadeira “Epopeia em um ato”, que dura o tempo de pouco mais de três mil pessoas cruzarem a Marquês de Sapucaí. É verdadeira aposta calculada…Tudo contra a banca, depois de um ano de preparação, sangue, suor e lágrimas! Mas neste ano, tamanhas as incertezas, nada poderia ser feito para salvar o desfile, restando o silêncio dos barracões. E agora só nos resta esperar que o Carnaval de 2022 seja irmão gêmeo daquele de 1919, e que a COVID sepulte também a polarização, trazendo no Abre-Alas a empatia e a alegria de volta. E para os que entendem que o Carnaval nada mais é do que um pouco mais da Política do Pão e Circo, eu deixo uma frase que ouvi uma vez, mas cujo autor desconheço: “As piores máscaras são as que não caem depois do Carnaval”. Grande pena… sinto saudades dos tempos em que o ano começava depois do Carnaval. Se nada mudar, ele só começará depois da Pandemia.