DO ENTRUDO AO CARNAVAL
“Foi no carnaval que passou/Eu sou aquele Pierrô/Que te abraçou e te beijou, meu amor” (Zé Keti)
Havia uma mão dourada gigante com uma estátua de Mãe Menininha do Gantois, e vinha cercada por uma legião de músicos (bateria) de cabeças raspadas. Eis minha primeira lembrança do carnaval carioca, ainda na infância. Nunca mais deixei de torcer pela Mocidade Independente de Padre Miguel. Antes da estação litúrgica da Quaresma há um festival cristão denominado por Carnaval. Na Europa, neste período, se realizavam jogos e brincadeiras que eram, conjuntamente, denominados por entrudo. Ele foi trazido para o Brasil pelos portugueses, no século XVI. Durante o entrudo, no século XVIII, os escravos, no Rio de Janeiro, produziam bolas de cera (limões-de-cheiro), enchidas com água, ou urina, e atiradas pelos foliões uns nos outros. Haroldo Costa nos dá uma aula sobre o assunto em “100 anos de Carnaval no Rio de Janeiro”. No II Império, foi proibida a brincadeira, podendo ser impostas ao escravo infrator cem chibatadas ou, alternativamente, oito dias na cadeia. Se o entrudo era esse veio popular, havia um outro carnaval mais elitista, representado pelos salões e pelas festas das grandes sociedades. Tais fatos não acabaram com o entrudo, que se associou a diversas tradições – de procissões católicas portuguesas, congadas, autos de Natal até afoxés. Essa mistura é o carnaval carioca. Por isso, Luiz Antônio Simas ensina que “não havia nada de verdadeiramente original no Carnaval do Rio, um amálgama de manifestações de várias culturas”. Com a Abolição e advento da República, o Rio de Janeiro foi tomado pelos migrantes, inclusive escravos libertos. Assim, em conjunto, cariocas e novos moradores vivem os primeiros carnavais do século passado, ao assistirem os ranchos (primeiros grupos a desfilar com mestre-sala e porta-bandeira). Só, em 1930, o carnaval carioca estabelece seu diferencial com as competições entre grupos de sambistas, sendo adotado o samba urbano, nascido no Rio de Janeiro. Esses grupos vinham de morros e subúrbios de maioria negra; e, aqui, está o início das escolas de samba, responsáveis pela mudança musical (samba) do Carnaval e pela alteração da visão geográfica da cidade. O Rio de Janeiro teve que reconhecer morros e subúrbios, quando só olhava para a orla e o Centro. Como sempre, no Rio de Janeiro, também o aparecimento das escolas de samba, naquele momento, demonstra as contradições típicas dessa cidade. Vivia-se na ditadura do Estado Novo, ou seja, à época em que ressuscitaram o ideal de embranquecimento físico e cultural da população, impedida a entrada de imigrantes negros, judeus e japoneses. Para Simas, o nascimento e manutenção das escolas de samba foram um milagre da “cultura da malandragem”. O que é isso? Os grupos sabiam como lidar e se ajustar, seja com o Estado, seja com a contravenção (jogo do bicho). Por representarem um risco de questionamento do status quo e, também, uma oportunidade de propaganda, vamos ver o Estado disciplinando os grupos de sambistas e exigindo a adoção de bandeiras nacionalistas, mas também ocorrerá o patrocínio de desfile pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro). A melhor expressão está em Simas e Fabato: “Explicam-se os enredos com eventos e personagens históricos”. Mas, por outro lado, sabiam encontrar atalhos de retorno às suas referências culturais. Por exemplo, aquilo que Simas chama de “gramática dos tambores”. A batida da escola envolve a batida de Orixás, nas suas caixas de guerra. A entrada da Mocidade Independente era o batuque de Oxóssi, que se seguia da batida de Iansã, nas entradas da Portela, do Império Serrano e da Mangueira. Okê arô! Epahey oyá! A possibilidade de enredos envolvendo religiões e cultura afro, assim como tradições populares, só veio na década de 60; e agradeçamos, aqui, aos intelectuais e aos escritores que propunham um projeto de país real. Assim, as escolas tinham momentos de resistência, momentos de negociação e de adesão ao cenário político-social. Também a Ditadura Militar se envolveu nas escolas de samba. Em determinado episódio (1974), a exaltação aos índios Carajás e o questionamento do progresso insano pela Unidos de Vila Isabel virou uma apologia à rodovia Transamazônica. Infelizmente, o crescimento e enriquecimento das escolas de samba, cujo auge veio com o Sambódromo idealizado por Leonel Brizola, faria a classe média deixar o carnaval de rua e se submeter a um espetáculo televisivo patrocinado. Não se esqueça que, paralelamente, se mantinha o Carnaval dos salões com grandes bailes de gala, concursos de fantasias e bailes populares. Como o feitiço tende a virar contra o feiticeiro, advieram a elitização dos desfiles, a perda de importância das comunidades, a compra de espaço em alas de desfile, as alas de gringos,… Ao mesmo tempo, os bailes de gala se perderam com o ocaso de uma certa “aristocracia carioca” e bailes populares se tornaram cenários de publicações pornográficas. Somente mais recentemente, a classe média carioca faz ressurgir o carnaval de rua do Rio de Janeiro, que fora substituído pelos de Salvador, Olinda e Recife. Mesmo com esse retorno às ruas, com o protagonismo da mulher e com as pautas da diversidade no comportamento, como aspectos marcantes no Carnaval de 2019, a capacidade de retorno financeiro acaba sendo o vetor do carnaval carioca. Há pouco, o carioca conviveu, ainda, com a intolerância religiosa agindo contra o carnaval, tal qual o faz contra as comunidades e escolas de samba. Quando essa intolerância se confunde com a atividade do Estado, o odor é pior! E, agora, tem-se, ainda, a pandemia. Como é Carnaval com isolamento social? Uma contradição! Porém a contradição não é a propulsão carioca? Como diz a maranhense mais carioca de todas – Alcione: “…/Levar meu corpo/Junto com meu samba/O meu anel de bamba/Entrego a quem mereça usar/…/Não deixe o samba morrer/Não deixe o samba acabar/O morro foi feito de samba/De samba para gente sambar/…”
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Zé Keti, Haroldo Costa, Luis Antônio Simas, Fábio Fabato, Alcione
Foto: pixabay.com
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