“Há dias que vivo de raiva de viver.” (Clarice Lispector)
Quantas mulheres podem habitar numa única mulher? Bem, na oscilação hormonal de cada dia, há muitas, uma legião de diabas e anjos coabitando num mesmo corpo. Perguntada por um amigo qual era meu escritor favorito, respondi certeira: Clarice Lispector! O dito cujo riu e desmereceu minha resposta dizendo que Clarice escrevia apenas para mulheres. Retruquei, discordei,… mas o que falar para alguém com muitos diplomas e pouco discernimento? Depois desse enfadonho diálogo, um amigo – mais amigo – me chamou para falar de Clarice. Então, pedi que Macabéia digitasse esse texto com seu pequeno português e alguma datilografia. Ela me disse que iria numa cartomante buscar o futuro, e por isso não poderia ajudar. Temi e alertei sobre atravessar ruas. Vou à cozinha e encontro com uma barata, o que me faz lembrar de GH. A mulher não identificada, que demite a empregada, e discorre sobre a vida enquanto descobre o quarto da empregada e seus pertences,… o que falar da barata nessa obra? Deixo aqui meu profundo terror…. Fui sendo visitada pelas mulheres de Clarice e pensei naquela que matou os peixes vermelhos e reconheceu isso publicamente e para crianças; de Joana e sua vida difícil como órfã e com uma gravidez indesejada; em Lóri no seu amor por Ulisses, no prazer sem culpa. Aliás, o nome do cachorro dessa Ucraniana-alagoana, também era Ulisses. Clarice não relia seus trabalhos; uma vez publicado um livro, ela o considerava morto – o que pode ser constatado no livro ‘Felicidade Clandestina’. O prazer clandestino de descobrir Clarice faz um homem usar capa falsa, para não revelar que lê Clarice Lispector. É isso! Em 10 de Dezembro, Clarice fez 100 anos. Está cada dia mais viva e atual! Eu a uso medicinalmente para desilusões, insucesso, prosperidade, amor e tristeza, e, sobretudo, uso para registrar o que sinto diante do desgoverno que assola a Nação: “Há dias que vivo de raiva de viver. Porque a raiva me envivece toda: nunca me senti tão alerta!” E se você for convidada para um Congresso de Bruxas e não souber o que falar, faça como Clarice, leia o conto “ O ovo e a galinha”, que o aplauso está garantido. No mais: “Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”