“Prefiro sempre o temor do entendimento ao temor da ignorância” (Douglas Adams)
Outro dia fui desafiado por um amigo a falar de Clarice Lispector. Disse a ele que não era um profundo conhecedor da autora e que seria difícil para mim, mas aí ele me sugeriu dar a minha visão sobre um de seus pensamentos. O texto era o seguinte: “Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo”. A primeira coisa que me vem à cabeça é a clássica citação de Sócrates do “Só sei que nada sei”. Vejo nestas duas visões a compreensão do quão imenso é o conhecimento e quanta humildade é necessária para compreender esta imensidão. Clarice, como o filósofo grego, longe de se perturbar com esta constatação, se entrega a ela de forma leve e humilde. Mas humildade não significa timidez e percebemos, na visão da brilhante escritora, a necessidade da busca mansa por desvendar essa imensidão. Clarice sempre me impressionou por sua história. Nascida na Ucrânia e judia, se viu ainda pequena migrando para o Brasil com seus pais, perseguidos que foram estes devido à revolução bolchevique. Mas sempre se entendeu brasileira… Disse ela uma vez que “naquela terra nunca pisei. Só andei de colo”. E no meio de tal desventura, que sorte tivemos em contar com ela. A advogada formada na FND (atual UFRJ) nunca quis se envolver com tais cátedras. Preferiu o jornalismo e a literatura. E percebo o quão feliz foi sua escolha pois nos brinda a todos com cada um de seus textos. Mas Clarice não é mulher para se desvendar de uma vez só. Nunca maratonei suas obras e prefiro me encontrar com ela de tempos em tempos, pela mão de um amigo ou de um inimigo, mas sempre de forma relevante. É… realmente é melhor fazê-lo aos poucos. Um livro aqui, um conto ali, devagar e sem pressa, como o desinteresse manso citado pela autora. Somente assim, sorvendo cada frase…cada palavra, poderemos ampliar nossa visão sobre seu imenso universo, que no fundo é o nosso, caminhando a passos largos em direção ao nosso melhor ser. Isso porque, a cada vez que entendo, entendo diferente, e ser diferente não é bom ou ruim exatamente, mas provoca em mim uma alegria rejuvenescida de que podemos, a cada nova visita à casa antiga, tirar dela mais um tijolo para construir nossa maturidade.
Autoria: Maurício Martins
Autores citados: Douglas Adams, Clarice Lispector, Sócrates
Luciana, a semana Clarice Lispector foi uma experiência muito enriquecedora para o Projeto também. Obrigado por sua participação. Continue nos seguindo e compartilhe com os seus amigos.
Adorei sua construção, Maurício.
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