ESSA FESTEJADA AMIZADE
“A ave constrói o ninho; a aranha, a teia; o homem, a amizade.” (William Blake)
Fim de ano – tempo de comemorar com os amigos! Ou seria com os colegas, conhecidos, … Costumo dizer que se há um tesouro na minha vida, ele está nas amizades que fiz e vivi. Amizade é uma palavra que vem do latim amicitia, que teria se originado de amicus, cuja raiz estava no verbo latino amare (amar). Aliás, os gregos, dentre as 3 palavras usadas para amor, tinham uma (filia) que correspondia à amizade, ou ao amor que envolve a amizade. Ela tem tal importância que se encontra nas especulações filosóficas mais antigas chegando às mais modernas. Platão dizia que “a amizade é uma predisposição recíproca que torna dois seres igualmente ciosos da felicidade um do outro.”, e Aristóteles ensina que “a amizade é uma alma com dois corpos.” Mas, certamente, o estudo de Cícero sobre “A amizade” é aniquilador, extremamente atual, ainda que redigido antes do nascimento de Cristo. Ele deixa claro o valor da amizade ao incitar que se prefira “a amizade a todos os bens desta terra: com efeito nada se harmoniza melhor com a natureza, nada esposa melhor os momentos, positivos ou negativos, da existência”. Isso pode parecer muito sonhador, no mundo atual, onde a perda de afeição, de que fala tão apropriadamente Pondé, deu lugar ao egocentrismo, aos valores materiais, à desumanização e à competição. Mas, se falta afeição, falta amor; e, na falta deste, não se poderá ter amizade. Por isso Cícero fala que só há amizade entre homens de bem. Na lição de François La Rochefoucauld, “a amizade, depois da sabedoria, é a mais bela dádiva feita aos homens”. Concordo com Cícero em que a amizade verdadeira é sempre prestativa, não excludente e jamais inoportuna ou embaraçosa. Alguns supõem que a amizade envolve uma troca de interesses, um obter a partir de necessidades existentes. O que surge daí não é amizade, pois a origem (amor – afeição) não está presente; aquilo que Cícero chama de “simpatia recíproca”. “A amizade não se busca, não se sonha, não se deseja; ela exerce-se (é uma virtude).” (Simone Weil) A especulação sobre os benefícios que possam resultar de uma amizade não é fundamento para a formação de tal relação, se a queremos verdadeira, honesta e real. Amizade é virtude e probidade, pois ambas geram efetivamente afeição. Disso decorrem alguns corolários. O primeiro, já dito, de que só os homens de bem podem ser sujeitos de amizade. O segundo se refere à igualdade no olhar ao outro. Onde há amizade não se vê divergência social, econômica, cultural, … Há igualdade! Nesse sentido testemunharam Platão (“Onde não há igualdade, a amizade não perdura.”), Pitágoras (“Os amigos têm tudo em comum, e a amizade é a igualdade.”) e Aristóteles (“A amizade pode existir entre as pessoas mais desiguais. Ela as torna iguais.”). O terceiro corolário está no binômio honestidade-lealdade. A honestidade envolve não só o comportamento para com o amigo, mas sobretudo para consigo mesmo. Não se pede ao amigo aquilo que não seja ético, moral e/ou honesto, nem deve ser praticado ainda que solicitado ou pedido. Afinal, “não há nenhuma desculpa para as más ações, mesmo se é por amizade que agimos mal” (Cícero). Quem lhe pede para fazer algo errado não é amigo. A lealdade vai estar na capacidade de se colocar lado a lado em qualquer situação, na bonança ou no revés, mas também na sinceridade do aconselhamento, se e quando solicitado. Bajulação não envolve amizade, pois sua origem não está no afeto, mas no interesse – geralmente duvidoso. Talvez por isso, Epicuro dizia que “a amizade e a lealdade residem numa identidade de almas raramente encontrada.” Essa honestidade-lealdade traz a confiança e “a amizade sem confiança é uma flor sem perfume “(Laure Conan), ou seja, a base da estabilidade na relação está aí. Sem verdade, a amizade não tem qualquer valor; não é? Um quarto corolário está no comprometimento advindo com a afeição, pois aí encontramos a origem dessa associação virtuosa e que gera suporte, empatia, disponibilidade, consideração, … Eis a razão das palavras de Francis Bacon de que “a amizade duplica as alegrias e divide as tristezas”. “Nenhum gesto de amizade, por muito insignificante que seja, é desperdiçado.” (Esopo) Ora, se a razão do homem está na felicidade (alegrias), como diz Freud, a busca da amizade é a busca da razão de ser, da essência humana, … a meta final do homem sábio. E lembro aqui da sapiência de Madre Teresa de Calcutá, quando orienta que “temos de ir à procura das pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade”. O quinto corolário está no prazer da convivência, tão bem expresso por Shakespeare (“Quem cedo e bem aprende, tarde ou nunca esquece. Quem negligencia as manifestações de amizade, acaba por perder esse sentimento.”) e Jean Cocteau (“A felicidade de um amigo deleita-nos. Enriquece-nos. Não nos tira nada. Caso a amizade sofra com isso, é porque não existe.”). E, finalmente, mas de essencial necessidade, encontramos o respeito, que já está subliminarmente contido nos corolários anteriores. Sem respeito não há amizade, pois, sem respeito não há amor (origem da amizade). Mas, a amizade, enquanto exercício e por tais corolários, sofre ataques e dissensões que podem colocá-la em cheque ou findá-la. Precisamos saber como cultivá-la e fortalecê-la. Cícero nos dá uma dica: “… a maioria das pessoas, por ausência de discernimento, para não dizer por imprudência, querem ter um amigo tal como não saberiam ser elas próprias…” Então sejamos amigos de verdade, de coração.
Autor: Fernando Sá
Autores citados: William Blake, Platão, Aristóteles, Cícero, Pondé, François La Rochefoucauld, Simone Weil, Pitágoras, Epicuro, Laure Conan, Francis Bacon, Esopo, Freud, Madre Teresa de Calcutá, Shakespeare, Jean Cocteau
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Que Bela explanação sobre a amizade!
Acho que uma amizade pura , sincera e solidária é uma das riquezas da vida !
Ela é gerada por uma empatia forte , sem explicação alguma
Conhecemos diversas pessoas na vida ; não obstante, poucas são aquelas que nos fazem sentir essa sintonia tão perfeita
Não existe interesse material; só espiritual!
E assim, conseguimos enfrentar as vicissitudes que vivenciamos!
Adorei conhecer as citações desses autores cerebres
Parabéns pela pesquisa e pela sensibilidade do autor do texto
Você tem toda razão, Maria!E essas amizades são mais raras do que gostaríamos…Seu comentário será encaminhado ao autor. Obrigada pela sua participação e, continue nos seguindo.