“Nutram suas esperanças, mas não desconsiderem a realidade”. (Winston Churchill)
Alguns leitores já devem ter saboreado, com trocadilho por favor, “O Feijão e o Sonho”, romance do escritor brasileiro Orígenes Lessa, publicado em 1938. A história gira em torno de Campos Lara, que é poeta e vive alimentando o sonho de viver às custas da poesia, alheio aos aspectos práticos da vida. Ele é marido de Maria Rosa, que possui uma visão mais pragmática e acaba gerando todo um enredo de conflitos entre essas visões de vida. Esta família depende de Chico Matraca, personalidade de posses e influente na sociedade local, que contrata Campos Lara para ser professor de seus filhos, pagando a ele um salário que mal dá para sobreviver. Ao longo do texto, Orígenes Lessa apresenta esses conflitos e nos faz levantar dúvidas sobre a possibilidade de convívio entre a realização de nossas visões inspiradoras e a capacidade de, ao fazê-lo, gerar os recursos necessários para nossa vida, de forma igualmente satisfatória. Mas ao final, ele promove a conciliação entre essas visões, mostrando para Maria Rosa que o problema envolvendo o seu marido tem menos a ver com sua veia poética e talento para as letras do que sua capacidade de lidar com o mundo externo…, e para Campos Lara resta a constatação de que sua esposa não mais queria do que garantir o bem estar deles e de seus quatro filhos, forçando-o a sair de seu casulo. A literatura tem essa capacidade de nos trazer a reflexão a partir de personagens e situações aparentemente hipotéticas, que acabam criando identidade própria e paralelos inevitáveis, em todo ou em parte, com seus leitores. Mas voltando ao mundo real, o que as agruras do poeta e sua esposa nos trazem é a necessária busca do equilíbrio entre ambas as visões. Tal se faz possível quanto mais hábeis sejamos em transitar entre esses dois polos, sem ficarmos presos a qualquer um deles. O sonho nos inspira e nos leva a novos desafios, mas é o pragmatismo, sob a forma da razão, que nos dá a capacidade de planejar o caminho que nos levará de onde estamos para onde o sonho nos pretende levar. Fechando este pensamento, trago a seguir um exemplo, na forma de um dos mais famosos discursos proferidos no século XX, por “Sir” Winston Churchill: “Muito embora grandes extensões da Europa e antigos e famosos Estados tenham caído ou possam cair nos punhos da Gestapo e de todo o odioso aparato do domínio nazista, nós não devemos enfraquecer ou fracassar. Iremos até ao fim. Lutaremos na França. Lutaremos nos mares e oceanos. Lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar. Defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos, e se, o que eu não acredito nem por um momento, esta ilha, ou uma grande porção dela fosse subjugada e passasse fome, então nosso Império de além-mar, armado e guardado pela Frota Britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, daria um passo em frente para o resgate e libertação do Velho”. Provavelmente muitos que o ouviram naquele momento o entenderam como mero devaneio demagógico… Afinal de contas, Hitler acabara de lhe aplicar uma surra em Dunquerque. Mal sabiam que o Premier Britânico, velha raposa, já conversava com o presidente americano, Theodore Roosevelt, para viabilizar sua retórica e financiar, primeiro com armas e equipamentos, e depois com tropas, seu sonho de liberdade. Sim, senhores, não podemos deixar que os golpes da realidade nos derrubem, nem que o sonho irresponsável nos aliene. A história está repleta de lições neste sentido.