“Para suportar as aflições dos outros, todo o mundo tem coragem de sobra.” (Benjamin Franklin)
Por vezes, me vejo em uma fila, da qual não sou o primeiro, mas certamente não sou o último. Não invejo os que estão à frente, mas sinto por tantos que vêm atrás … e, muitas vezes, tão, e tão atrás. No máximo de minha imaginação não consigo parametrizar a aflição desses a quem tudo falta, seja comida, teto, saúde e/ou dignidade. Ainda que dentro de minhas possibilidades, o que faço parece tão pouco para ajudar. Talvez por isso, comecei com essa mania de rezar uma “Ave Maria” quando cruzo com esses sofredores lançados às ruas, calçadas e sarjetas. Estando no Rio de Janeiro, acabo rezando o tempo todo ao sair. Me dá esperança quando vejo a história do filho de uma amiga, que, à noite, deixou a família esperando no táxi, enquanto comprava, na banca de jornais, um par de sandálias para a menina que vendia, descalça, balas sob uma chuva torrencial. Gente assim, me inspira! Gente assim eu admiro! Aqui, encontro humanidade! Por isso me aproximo desse tipo de pessoas. O momento atual, me fez, inclusive, buscar distância de uma outra gente – gente egocêntrica, egoísta e prepotente, que classifica as pessoas por suas condições sociais ou acha que indiferença seja solução. “Tô fora!” Não se preocupem, de alguma forma, um dia, a realidade baterá às suas portas. Aprenderão, ainda que pelo sofrimento (se é que, no fundo, já não o vivem). Entendo Anatole France ao dizer: “Preferi sempre a loucura das paixões à sabedoria da indiferença”. Triste perceber que, em um momento tão difícil pela pandemia, tanta gente não consiga tirar nenhuma lição quanto ao conceito de humanismo. Nem falo dos políticos, pois essa raça … Deixa para lá! Aprendi a agradecer, todos os dias, todas as conquistas e sucessos, bem como, as lições aprendidas dos momentos difíceis. Parece que compaixão e empatia são palavras em processo de exclusão do dicionário. Será que essas pessoas nas ruas, tendo oportunidades, não seriam melhores que aqueles moradores de coberturas milionárias e bairros elegantes, mas procurados pela polícia, como se tornou rotina no Rio de Janeiro? E aqui, estamos diante do ponto chave: caráter! Somente o caráter diferencia as pessoas. O estranho é quando percebo pessoas, auto-intituladas religiosas ou espiritualizadas, mesmo porque assim se consideram diante da frequência dominical a templos, terreiros e igrejas, agindo dessa forma desumana e indiferente. Há muito já disse Calvino: “Não fechemos, pois, por nossa desumanidade, a porta da misericórdia de Deus, a qual se apresenta a nós tão liberalmente”. Mas, o mais incrível é que essas mesmas pessoas, que entendem como destino, karma ou punição a desgraça alheia, entram em franco desespero quando lhes acontece qualquer coisa, ainda que de pouca significância ou relevância. Se descabelam por fatos que pouco afetarão suas vidas, sem importar o quanto vazias já o sejam por vezes. A aflição alheia, para eles, é frescura ou opção! Outro dia, lembrava de uma tarde conversando com o velho vendedor de tickets para o barco que circula no grande lago de Cingapura. Um simplório senhor que me ofereceu uma brilhante aula de história e sociologia. Ninguém é melhor ou pior por sua condição social. As pessoas são melhores ou piores por suas atitudes (determinadas pelo caráter). Acredito piamente que o tratamento com indiferença ou superioridade é fruto da profunda insegurança ou incerteza das qualidades intrínsecas de quem o pratica. “O mal do nosso tempo é a superioridade. Há mais santos do que nichos.” (Honoré de Balzac). E o Brasil é mestre nisso com as famosas carteiradas e “Sabe com quem está falando”?”. Nem quero saber, pois certamente é alguém que nada agregará na minha vida! Na lição de Kabir: “Este corpo no final será misturado com a lama. Por que permanecer na arrogância?”. Onde há arrogância, há maldade! Mas, aqui, a constatação não busca julgamento, e sim reflexão. A pergunta final é o título (O que você está fazendo a respeito dos demais seres humanos a quem foi retirada de alguma forma a dignidade humana?). As soluções são fruto(s) das ações individuais. A omissão aqui é indiferença. Como também o discurso vazio não é ação e tem pouquíssima valia. Da política nada podemos esperar; de certas instituições muito menos. Sem um apelo religioso para a palavra pecado, lembremos George Bernard Shaw: “O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los mas sim tratá-los com indiferença; é a essência da desumanidade.” E ai? E você com isso?
Autoria: Fernando Sá
Autores citados: Benjamin Franklin, Anatole France, João Calvino, Honoré de Balzac, Kabir, George Bernard Shaw