“As rosas não falam, simplesmente exalam o perfume que roubaram de ti.” (Cartola)
Um dia desses, foi o dia dos primatas, nem imagino de onde surgiu, mas o fato é que esquecemos que somos parte dessa ordem …. uns nem sequer reconhecem. Mas, de fato, somos! Seja pela evolução da espécie ou pelo grito dos Titãs, em seu disco Cabeça Dinossauro: “Homem primata, capitalismo selvagem”. Os primatas compõem um grupo de animais vertebrados e engloba os símios (macacos), lêmures e os seres humanos. Focarei minha atenção nesses últimos, porque nas agruras da emergência sanitária, o primata zelador de meu prédio decidiu nos brindar com uma limpeza da área comum com creolina…. Sim! Ela mesma – desinfetante industrial usado para limpeza pesada em ambientes externos, com um odor muito característico. E esse odor não se fez de rogado, inundando os apartamentos, e despertando um ódio mortal. Foi subindo sem avisar, se espalhando e ao chegar aqui em casa ele despertou uma memória olfativa! A creolina me fez sorrir e acariciar a menina gordinha de cabelos pretos e sorriso largo que ficou perdida numa escola pública há alguns anos. Como entender o odor e memórias tão fortes e duradouras? Era o que as serventes, que limpavam minha escola, utilizavam. Aquele cheiro agonizante, sufocante e destemperado da creolina!!! O cheiro é um gatilho poderoso, te remete a diferentes lembranças e é capaz de direcionar nosso comportamento. Sim, comportamento primata, despertando sentimentos bons e ruins! Há relatos do cheiro da morte em Auschwitz, cheiro de carne humana queimando… Triste memória! Muito se fala de alguns primatas humanos que se arvoram em dizer que sentem o cheiro da morte. Óbvio que os trabalhadores do IML o associam ao formol. Eu não estou falando de capacidade olfativa, porque nossos amigos cães – não primatas – têm cerca de 25 vezes mais receptores olfativos que nós, seres humanos – primatas. Cheiros são um estímulo para cães encontrarem e apontarem drogas e há, em teste, ações para fazê-los identificar quem está com COVID. Ainda na fase de pesquisa!? Como explicar o sorriso, a lágrima, a emoção diante de um cheiro que nos remete a um amor perdido, a uma infância, a alguém ou lugar especial? “De que árvore florida chega? Não sei./Mas é seu perfume…” (Matsuo Basho) Desde 2016, está situado em Paris o museu do Perfume (Le Grand Musée du Parfum) que oferece ao visitante uma experiência sensorial através de um circuito interativo, que é dedicado a conhecer a história do perfume desde o Egito dos Faraós até nossa atualidade. Os perfumes mais valorizados do Mundo Antigo se originavam do Egito. O fascínio pelos cheiros explica a preocupação dos egípcios antigos em se perfumarem e associarem as fragrâncias com os deuses, reconhecendo o lado positivo dessas sobre o bem estar. Na mitologia egípcia, o deus do perfume era Nefertum, simbolizado pela flor de Lótus. Aliás, o aroma da flor de lótus era considerado reparador e protetor no Egito Antigo. Quem sabe Nefertum não inspirou Madame Chanel a criar o mais icônico dos perfumes, o Chanel nº 5? Seu aroma inconfundível fez Marilyn Monroe declarar que vestia para dormir duas gotinhas de Chanel nº 5. E aqui lembre-se o famoso diálogo de Chanel: “- Onde se deve usar perfume? – uma jovem perguntou. – Onde ela quiser ser beijada. – eu respondi”. Eu, movida pelo cheiro da creolina, recordo que nunca gostei desse perfume, preferindo o meu bom e caro J’Adore da Dior. Mas quero convidar você a ler Mademoiselle Chanel e o Cheiro do Amor, em que a autora, inspirada por fatos reais, remonta a criação do famoso perfume, lançado em 1921. Declaro meu cheiro, deixando o mistério para Clarice Lispector: “Vou tomar um banho antes de sair e perfumar-me com um perfume que é segredo meu. Só digo uma coisa dele: é agreste e um pouco áspero, com doçura escondida.”
Autoria: Luciana Santana
Autores citados: Cartola, Titãs, Marilyn Monroe, Chanel, Clarice Lispector