BEM VINDA, MATURIDADE!!!!
“Na juventude, aprendemos; na maturidade, compreendemos.” (Marie von Ebner-Eschenbach)
Entrei distraída, sem olhar pra frente, percebi que não estava sozinha. De repente, quando eu olhei para Ela vi que estava assustada, por causa da presença deles que tinham chegado, sem avisar. Tudo aconteceu muito rápido! Ela, com o olhar parado, sem brilho, perplexo, uma mistura de surpresa com desespero! Num primeiro momento Ela olhou fixamente para eles deixando claro que não eram bem vindos, afinal de contas Ela não tinha se preparado para recebê-los. Até aquele momento Ela tinha certeza de ter ainda muito tempo para se preparar… Eles deixaram claro que, independente de serem bem vindos, Dela estar preparada ou não, eles vieram para ficar. Àquela altura, Ela estava no banheiro, eles a seguiram e disseram que daquele momento em diante seriam inseparáveis. Desesperada, Ela se sentou no vaso, com a cabeça entre as mãos, começou a chorar. De longe se ouvia o choro, sofrido, doído, um pedido de socorro difícil de não atender! Sem bater na porta, a menina entrou, colocou as mãos no joelho Dela e disse: “- Tenha calma, você se lembra de como fomos felizes na nossa infância? Brincávamos na rua, você adorava aquela mesa de pingue pongue, feita com sobras de madeira. Era torta, mas os torneios com os vizinhos eram super animados! Você nunca ganhou, sabia jogar, mas tinha pressa, mandava a bola muito forte e vez ou outra não batia na mesa. Você culpava a mesa, mas a Gislene era a nossa campeã. E o córrego? Escorregávamos pela argila molhada e caíamos dentro dele, sem medo da água gelada. Só saíamos de lá quando ouvíamos os gritos da nossa mãe para o almoço. E é claro, só almoçávamos depois de ouvir um belo sermão, afinal de contas deixávamos nossas tarefas para desfrutar das maravilhas do nosso parque de diversões: córrego, mata, escorrega natural, era tudo que precisávamos!!!.” Por alguns instantes, Ela parecia escutar, mas logo as lágrimas desciam novamente inundando o rosto. Ela queria que eles fossem embora, repetia que não os tinha chamado, não os queria por perto. Em meio à confusão, Ela fechou os olhos e sentiu um vazio profundo, foi como se descesse uma escada grande no meio de um túnel escuro. Hipnotizada! Ela só acordou com uma voz alta gritando num palco, a cigana girava uma saia estampada bordada com lantejoulas e gritava: “- Eu venho de muito longe….” No final do espetáculo a professora mandou um bilhete dizendo que era a cigana mais segura e brilhante do Egito! O hábito de escrever peças de teatro no colégio A acompanhou, Ela gostava de ver os olhos atentos das crianças quando estava no palco. Como um piscar de olhos, a cigana foi embora, na porta, olhou para trás com um olhar de ternura, como se quisesse dizer que sentia muito a falta Dela. Ao sair, a cigana perguntou para uma jovem que estava entrando: “- E aí, encontrou algum lugar para morar? Vai mesmo se mudar?” A jovem acenou que sim, e Ela entendeu que aquela estudante iria sair da pequena cidade onde morava. Ela continuava ali, sentada, com o olhar perdido, procurando por algo que Ela não sabia o que era. De repente, a estudante universitária entrou, disse: ”- Está atrasada! Tem que ir para o refeitório da Universidade de Ouro Preto, para trabalhar servindo refeições junto com o grupo de estudantes.” Como era a mais alta do grupo, servia o arroz e o feijão – sem caldo, do lado do arroz, primeiro o feijão… Aos poucos os rostos e os gostos foram sendo assimilados e a velocidade para servir foi aumentando… As ladeiras e as casas antigas eram a paixão dela! Dizia que devia ter morado ali antes, pois se identificava muito com o lugar, a arquitetura, as pessoas. Ao lado do refeitório, no centro acadêmico, o tão sonhado diploma foi entregue. E agora? Uma outra estudante entrou e disse: “- Agora é estudar para passarmos no concurso.” O primeiro emprego foi na Floresta Amazônica. Os olhos não cansavam de olhar para a floresta, era como um mar verde, onde algumas gaivotas voavam dando as boas vindas! Agora, já trabalhando, sobrevoou aquela floresta várias vezes, tinha como responsabilidade cuidar dela, as clareiras eram abertas e reflorestadas, logo as cicatrizes abertas se fechavam, era um projeto lindo de se trabalhar… Mas, eles ainda estavam ali, Ela não sabia o que fazer para expulsá-los! Pensou em sair, mas foi interrompida pelo barulho de um salto, pisada forte, apressada! Entrou no banheiro para se preparar para o longo dia que teria pela frente. Ela voltou a se sentar no vaso, não se virou para ver quem tinha entrado, a presença ali era familiar… Quantas vezes a ouviu falar dos projetos em que trabalhava e do orgulho que sentia! Antes de sair, arrumou o cabelo das duas filhas, colocou o uniforme nelas, deu o café da manhã e foi para o portão esperar o ônibus que as levaria ao colégio. A rotina do trabalho era interrompida com as idas aos médicos e reuniões no colégio. Foram anos trabalhando e cuidando das filhas… Intrigada, voltou para casa, se aproximou, agarrou forte a cabeça Dela e disse: “- Olhe para mim! você não está nos reconhecendo? Esqueceu quem somos? De onde viemos? Você nos moldou e nos fez acreditar que eramos felizes e que nós te fazíamos feliz. Se orgulhe da realidade que você criou, das energias que você atraiu, dos inúmeros erros que cometeu e que fizeram você aprender a se levantar e continuar! Sim, eles chegaram!!!! Chegaram porque agora você tem o crescimento e o amadurecimento necessários para conviver com eles. Com eles, você vai ver que pode viver com muito menos do que achou que fosse necessário, com eles você vai entender que os diferentes podem coexistir, com eles você vai viver mais plenamente a menina, a adolescente, a jovem, a profissional e a mãe que moram aí dentro de você.” Ainda com a cabeça apertada por aquelas mãos conhecidas, Ela fechou os olhos e continuou a descer aquela escada que dava pra aquele túnel escuro, se virou e viu uma rajada de luz, caminhou e encontrou um lindo jardim, semelhante ao que a Raissa Zoccal descreve na “Meditação Para Realizar Sonhos”. O sentimento de pertencimento tomou conta de mim, que sou Ela. Me senti parte do todo! Foi como se minha energia expandisse e se misturasse com aquele colorido. Abri os olhos e me olhei novamente no espelho, sorri e disse: “- Bem vinda, maturidade! Bem vindos, aqueles que temi tanto… meus cabelos brancos….”
Autoria: Venina Velosa da Fonseca
Autora citada: Marie von Ebner-Eschenbach, Raissa Zoccal