“Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro”. (Confúcio)
Mamãe sempre me disse para evitar discutir religião e política. Mas alguns pensamentos nunca me deixam e, com o passar dos anos, eles ganham vida própria e, de tempos em tempos, voltam para me assombrar. Uma dessas questões dá conta de um instituto que está presente em diversas religiões orientais e ocidentais: a reencarnação. Em linhas gerais se considera que o espírito, ou a alma, é imortal, e ela evolui a partir das experiências vividas em cada um dos corpos que habita ao longo dos tempos. Em suma, cada corpo seria como o figurino de um personagem que interpretamos durante uma “peça teatral”, e que dura uma vida. Uma peça de cada vez, mirando na redenção final! Como conceito, precisa de alguns ajustes. Como diz um provérbio alemão, o “diabo mora nos detalhes”. Para os defensores do conceito, esse processo só funciona se, a cada vida, deixamos para trás, no poço do esquecimento, tudo o que vivemos nas vidas anteriores. Este sempre foi, para mim, um conceito difícil de entender. Não seria mais fácil acertar se soubéssemos tudo o que fizemos, de certo ou errado? A experiência não nos ajudaria? Façamos uma pausa para pensar! Enquanto isso, trago, a seguir, outro conceito relevante para o desfecho do texto. A humanidade sempre discutiu, em sede filosófica e na ficção, o tema da imortalidade. O Marquês de Maricá dizia que “a morte é certa, mas o prazo incerto: se a certeza da primeira nos aflige, a incerteza do segundo nos consola”. Sou cinéfilo e um dos meus filmes preferidos da década de 80, “Highlander, o guerreiro imortal”, traz essa temática de forma clara, regada a uma excelente trilha musical (composta pelo Queen e incluída no disco “A kind of Magic”). Nele, um guerreiro imortal que só o deixa de ser se lhe cortarem a cabeça, vivido por Christopher Lambert, apresenta suas experiências depois de séculos de vida, enquanto tenta sobreviver a um caçador de imortais que busca ser o último da espécie, o que lhe traria um “prêmio” formidável. Aliás, a mesma temática da imortalidade também aparece em recente filme da NETFLIX, protagonizado por Charlize Theron, chamado Old Guard, que assisti na semana passada. Assistindo ao segundo filme, trinta anos depois do primeiro, vi o quanto o meu conceito sobre a imortalidade mudou. Com pouco mais de vinte anos, queremos, realmente, ser imortais, pois isso nos parece multiplicar nossas possibilidades de realização, com direito a recomeços e à correção de erros. Expectativa de quem ainda tem uma vida inteira a ser vivida! Hoje, quase aos sessenta anos, percebo que as coisas não são bem assim, e que o peso de nossos erros acaba nos assombrando ao longo da estrada, representando um fardo que, multiplicado pelos anos da imortalidade, poderia nos tornar piores do que realmente podemos ser. Lidar com os erros do passado é um preço bastante alto a ser pago para quem quer ser imortal. Mas, aí, retomamos a ideia inicial. E se fosse possível um “reboot” de nossa consciência de tempos em tempos? Olhando bem, esse é o conceito por trás da reencarnação. Enquanto restam em nós as marcas indeléveis do aprendizado mais profundo que moldam nosso caráter e integram nosso ser, somos aliviados das memórias que tanto poderiam nos cobrar e pesar em nossos ombros, atrapalhando nossa caminhada, especialmente, no início de nossa existência, quando tendemos, qual crianças, mais a errar do que acertar. Desta maneira, fica fácil imaginar que, vivido certo período, a morte, qual anjo mandado por Deus, traz a renovação da esperança em um futuro repleto de possibilidades. Este ciclo se apresenta, de tempos em tempos, pavimentando a estrada e nos levando rumo a um momento em que, efetivamente, conseguiremos conviver com nosso passado de forma tranquila, na medida em que a balança pender para o lado de nossas realizações positivas, tornando a reencarnação desnecessária e abrindo nossa consciência para uma imortalidade sem o peso da culpa. Sendo assim, longe de ser o fim, a morte funcionaria como mecanismo de renovação da esperança.